VALDECI GARCIA
Os cachorros faziam festa todas as madrugadas quando ele chegava. Depois que ele morreu, calaram-se por três dias e três noites. Na quarta noite, às 3 horas da madrugada, Assumpta acordou assustada com o tropel dos cachorros no quintal. Eles faziam festa para alguém – a mesma festa que faziam para o falecido dono. Assumpta abriu a janela e viu o portão aberto. Os cachorros saltavam e corriam de um lado para o outro do quintal espaçoso. Ela sentiu medo e fechou a janela. Voltou para a cama. Cobriu a cabeça. Ficou escutando os latidos lá fora. Depois de cerca de cinco minutos, tudo silenciou. Curiosa, levantou-se e abriu a janela novamente: o portão estava fechado; os cachorros dormiam em suas respectivas casas. Na madrugada seguinte, também por volta das 3 horas, aconteceu a mesma coisa. Mas, desta vez, depois que os cachorros silenciaram, Assumpta sentiu que alguma coisa gelada se deitava ao seu lado na cama de casal. Seu corpo gelou até a raiz dos cabelos. – Besteira minha – pensou, enquanto sacava do rosário e se punha a rezar para a alma do marido defunto. Mas as orações não evitaram que a festa dos cachorros acontecesse todas as madrugadas; e que Assumpta sentisse o calafrio mortal logo depois que os cães silenciavam. Chamou a mãe e lhe disse: “Mãe, acho que o falecido está me assombrando”. A velha lhe explicou que isso era normal, quando o casal se separava pela morte abrupta de um deles, fosse o marido ou a mulher. Aconselhou a filha a irem ao cemitério levar flores e dizer, ao pé da lápide, que a morte acabara com o santo laço que os unira; que o morto fosse com Deus.
O falecido, porém, não foi com Deus. Numa noite fria, Assumpta acordou com grunhidos no cômodo ao lado. Levantou-se rapidamente e correu ao quarto da mãe. Encontrou-a suspensa no ar por mãos invisíveis. Debatia-se com a língua de fora e o rosto congestionado: alguém a tentava enforcar. – Seja lá o que for, solte minha mãe, pelo amor de Deus! – Assumpta gritou, no mesmo instante em que o corpo da velha se chocava com o chão, livre do mal que o afligia.
Na manhã de chuva, céu púmbleo, Assumpta foi até o cemitério com a mãe. Encontrou-o deserto àquela hora. O coveiro, com cara de sono, mal respondeu quando elas lhe disseram “bom dia”. Seguiram pelas aléias cinzentas, passaram por túmulos seculares, e desembocaram no setor mais novo do cemitério. Impaciente, Assumpta caminhava na frente da mãe: queria chegar logo ao túmulo do marido. Por este motivo, a anciã não pôde sequer tentar segurá-la ao vê-la cair para trás, numa síncope; quando chegou ao túmulo e deu com ele aberto: o cadáver do marido havia sumido. (Na casa de Assumpta, nesse exato momento, os cachorros faziam festa.)
Um comentário:
Ótimo conto. Já conheço este autor de outros sites. Um dos melhores que tenho visto na net. Parabéns ao site por trazer tanta gente boa. RONE DIAS
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