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10.7.07

PARA ONDE FORAM TODOS


A Câmara dos Tormentos orgulhosamente apresenta a estréia do grande escritor goiano Jurandir Araguaia como nosso colaborador; além de um grande amigo e apreciador das sombras, um soberbo escritor com uma sensibilidade toda especial para o insólito que se insinua no cotidiano. Aqui, brindamos nossos leitores com uma obra fantástica de ficção-científica; um texto apocalíptico que leva à uma reflexão sombria sobre o futuro. Boa leitura!



Para Onde Foram Todos?


Jurandir Araguaia



Despertei sentindo-me estranho esta manhã. Sentia-me leve, forte, bem-disposto, com uma energia que trazia de volta os bons tempos de minha juventude. A escuridão do quarto, propositalmente forçada pela densidade de nossas negras cortinas, mascarava, como sempre, a real cor do dia.

Sabia que era dia, tal o meu estado de disposição. No entanto, por que o meu cachorro não me acordou ao latir, como sempre faz, mesmo que seja domingo?

- Querida, querida. Tentei acordar minha esposa ao lado na cama, mas somente toquei em seus travesseiros e lençóis. Acordou ela sem me chamar? E as crianças, e a escola? O despertador falhara? Olhei para a tela do aparelho, sobre a cabeceira de minha cama, e o visor estava apagado.

- Queda de energia. Que novidade! Mas os ruídos da casa, a correria das crianças antes de sair para a escola. O barulho dos talheres no café da manhã. Teriam resolvido poupar-me e deixar a dormir? Urgia que me apressasse para correr ao trabalho. Fui ao interruptor acender a luz. Sem energia. Fiquei irritado com meu esquecimento. Procurei as cortinas e abri-as. O dia amanhecera estranhamente nublado, com uma luz difusa denunciando as primeiras horas da manhã. Abri a janela do sobrado. Silêncio total. Nem o ruído dos carros, as vozes distantes das pessoas, o canto dos pássaros, o silvo do vento, o latir do Toby.

- Toby! Toby! Chamei-o à janela, o que sempre respondia correndo e pulando. Onde estará o Toby?

Calcei os chinelos. Vesti o roupão. Saí pela casa. Fui ao quarto das crianças. Vazio. Camas desarrumadas.

- Como a Kely permitiu que saíssem sem arrumar as camas? Estariam tão atrasadas assim? Voltei ao meu quarto e na gaveta do armário busquei meu relógio. Ele apontava três horas e quinze minutos. Os ponteiros parados.

- Eu não acredito. Um relógio caro, e da melhor marca, parou no meio da madrugada? Teria comprado gato por lebre? Não, eu sabia reconhecer uma peça legítima adquirida em uma das melhores lojas da cidade. Desci ao térreo e me dirigi para o relógio da cozinha. Igualmente parado. Os ponteiros marcavam três e quinze.

- O que está acontecendo? Abri a porta da cozinha. Toby! Toby! Nenhuma resposta. Onde estará Kely? Levou as crianças para a escola? Teria voltado e saiu para caminhar com Toby? Isso. Estou me afligindo sem motivo aparente.

Voltei ao quarto e procurei o celular. Não ligava. Impossível. A bateria estava com a carga completa. Tenho certeza disso. Pequei o telefone fixo. Sem sinal de linha. Tentei de novo. Apertei nervosamente a tecla de repouso. Nada. Nada. Nada. A Tv era impossível, visto que a energia ainda não voltara. Vesti qualquer roupa e saí para a porta. O carro de Kely na garagem. Apoiei minhas mãos sobre o capô. O motor estava frio. Ela não saíra. Mas e as crianças? Pelas grades do portão percebi que não havia ninguém nas ruas. Nenhum pedestre ou carro. Nenhum som vindo das janelas dos prédios em volta. Os outros sobrados estavam mudos, silenciosos. O rádio do carro! Corri e peguei as chaves. Entrei no veículo. A bateria não dava qualquer sinal. Tentei ligar o rádio. Sem resposta.

Abri o capô. Todos os cabos conectados. A bateria parecia boa. Tentei nova partida e nada. Corri para pegar a chave do carro da Kely. Aconteceu o mesmo. Bati nervosamente minhas mãos sobre o volante. Parei para pensar.

Voltei e tentei novamente com o celular, com o telefone. Nada. Somente então percebi que o celular de Kely estava em casa e sua bolsa com os documentos. Ela não saíra. Desci para o quintal. A coleira de Toby no mesmo lugar. Ela não levara o cachorro ao passeio. Saí para a rua. Ninguém. Não havia viva alma. Nenhum trânsito.

Desci correndo para a Alameda principal. Ali sempre havia alguém. Seria impossível não haver nada. Testemunhei o impossível: tudo fechado. Uma estranha bruma cobria o sol; às vezes permitindo que um tímido raio quisesse se manifestar. O canal da alameda deserto. Ninguém fazendo caminhada - o que seria normal naquele horário e em qualquer dia que fosse. O comércio esqueceu-se de abrir. As ruas sem pessoas ou veículos.

Sentei em um banco próximo. Belisquei-me. Eu devo estar dormindo. É um pesadelo, um enorme pesadelo. Levantei-me e gritei por alguém. O som da minha voz ecoou por todos os cantos. Girei e olhei em volta. O silêncio petrificava-me. Foi a primeira vez que senti um medo real. Caminhei por longas horas. Vencido e desanimado. Percebi que não sentia fome ou sede ou frio. Estaria vivo? Teria todo mundo morrido ou apenas eu? Que força aquela que de um jato arrebatou todas as almas ou apenas a minha para outro universo? Ficara eu congelado em algum lapso de tempo? Perdido estaria eu para sempre entre o transcorrer de um milésimo de segundo? Em busca de respostas levantei-me e continuei a caminhar pela alameda extensa em busca de outra voz, de outra vida...

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