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18.11.06

CLÓVIS E O DESESPERO


De: Henry Evaristo




Primeiro Clóvis achou que estava sonhando; um daqueles sonhos que nos prendem na cama sob uma mortalha cruel que tira o fôlego. Depois percebeu que o ambiente lhe transmitia impressões demasiado palpáveis para que aquilo se tratasse apenas de uma experimentação onírica qualquer. Foi então que sentiu a pontada mortal do medo em seu velho coração: estava acordado.

Seu corpo todo entrou em espasmos de horror. Através da fenda da porta entreaberta do antigo guarda-roupa de carvalho negro, com a cara medonha de algum demônio do inferno, um ser esbranquiçado olhava fixamente para ele.

Clóvis não podia se mover; estava completamente dominado por seus músculos retesados. Antes de ver a cara horrenda algo o tinha acordado ao rastejar por sobre ele bafejando e soltando uma coisa gosmenta que lhe encharcara a pele e agora começava a secar e a emanar um forte odor nauseabundo.


De repente a criatura na fenda escura emitiu um grunhido semelhante ao de um gato; uma espécie de gemido mórbido de gelar o sangue ao som do qual imediatamente uma enorme sombra saltou de debaixo da cama indo empoleirar-se em cima da cabeceira próximo aos pés de seu ocupante imobilizado por paroxismos de medo.

A coisinha do guarda-roupa se encolheu na escuridão do móvel, por entre as peças de roupa estendidas, de forma a deixar visível apenas o brilho avermelhado de seus olhos bestiais. Então a sombra negra avançou e pousou um par de garras no peito de Clóvis que agora olhava estupefato para o buraco escuro onde deveria estar o rosto da coisa mas que só enchia o mundo com um negrume morfético. “Viemos trepar!” Guinchou a aparição e uma espécie de risadinha malévola brotou imediatamente da escuridão no interior do guarda-roupa. “E queremos com você!”. De súbito, algo indescritível se arrastou para cima da cama saindo daquela sombra doentia; Uma abominação tesa e latejante que aspergia gotas de um líquido espesso, frio e apodrecido. “ Meu amigo já te lubrificou!!!” Gritou uma voz cavernosa que parecia brotar das paredes.

Clóvis gritou, e gritou e gritou. E seus gritos acordaram toda a vizinhança. Encontraram-no arranhando as paredes de seu quarto tentando furar um buraco para sair. Estava nu e sangrando. Quando viu as pessoas que puseram abaixo a porta da sala para descobrir o que ocorria no interior do modesto apartamento, se pôs a morder os pulsos e a arrancar, com as unhas, nacos de carne do próprio pescoço.

Era uma madrugada friorenta de dezembro e ele, que nunca gostara do natal, passara o dia inteiro desdenhando das coisas sagradas da época. Mas não foi por isso que as potências do inferno o escolheram para copular até a loucura naquela noite. Na verdade não há maneiras de se prever ou prevenir. Elas são assim mesmo: Sempre acabam escolhendo alguém aleatoriamente...


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