O OCASO DE HAES-NORYAN
(Um conto delirantista)
Henry Evaristo
(Um conto delirantista)
Henry Evaristo
Haes-Noryan apreciava paisagens abertas. Por isso, no dia do fim de sua vida, subiu ao cume da mais alta montanha de seu reino e lá sentou-se em meio à neve e aos raios multicoloridos de seu último por do sol. Vestia sua melhor roupa e ornamentara sua pele com pinturas e artefactos da cultura de seu povo.
Ficou apenas parado durante muito tempo. Tantos sentimentos suprimiam-lhe as palavras e então ele calou impotente diante de toda a força daquelas imensidões. Sentia o vento invadindo seu corpo, como adagas agudas que penetravam invasoras por seus poros, levando a frieza para todos os recônditos mais ínfimos. E aquele vento, que vinha de plagas tão distantes, o tornava uno com toda a natureza.
Ergueu sua cabeça pesada para sentir no rosto os movimentos do mundo e as luzes do horizonte o atingiram em cheio iluminando-lhe os olhos castanhos, deixando-os à mostra para quaisquer dos seres do ar que por ventura vagassem por ali. E assim ficou, por séculos e séculos de um tempo que só para ele existia. E por ele passaram tantas eras quanto as que eram conhecidas pelos deuses.
Do peito de Haes-Noryan brotaram então violentos espasmos de um desespero incontrolavel pois, no meio de todos os tormentos que diante de seus olhos desfilavam, em cada uma das eras tantas que reconhecia, lá ele se via. E via os seus, aqueles que lhe eram tão caros. Via os rumos perdidos que tomou na vida, as chances perdidas e as bondades desperdiçadas. Com as mãos crispadas ele atingia o solo com tamanha força que seus ossos enregelados estalavam.
“Ah, minha paz! Para onde foste tão cedo?” Gritou ele.
Mas o vento parecia responder com um sibilar profundo que soprava dos ventres das montanhas:
“Eis tua sina! Agrada-te dela!’.
Como fantasmas horrendos que enxameavam no firmamento, ele avistou os vultos impuros que o aguardavam. E pôde ver suas carrancas medonhas cujas línguas venenosas ressonavam cantos profanos para muito além da abóbada celeste.
“Oh, cânticos infernais! Isso, Isso! Entoai o meu destino!”
E Haes-Noryan já não era mais o mesmo. Estava velho; todo o tempo de sua vida se esvaíra. Todo o seu mundo ruíra, e apenas criaturas ígneas pareciam saltitar por sobre os escombros daquilo que fora tão bom, formoso e límpido.
“Minha inocência! Onde te perdeste nessa vida?”
Mas como a neve ao seu redor era cada vez mais carmesim, e já se findara o tempo das elucubraçoes, ele se ergueu. Foi cambaleando até a borda do precipício. Suas roupas largas, dos tempos em que fora rei, pareciam rodopiar em torno do seu corpo depreciado.
Lá, no limite do mundo, parou. Sentindo a dor lhe consumindo além de qualquer possibilidade de rendenção. E seus olhos, que antes refletiam o por do sol, se tornaram negros como os dos melros.
Haes-Noryan elevou seus braços aos céus, e emitiu seu derradeiro grito; seu lamento profundo que foi ecoar por todas as terras desconhecidas desta e de outras esferas.
“Ah, quantos mundos criei!” Gritou para a neve e para o vento. “A quantos dei formas tão minhas!” “Ah, tanto amor vertido por estes universos!”
Mas o vento e a neve não respondiam; eram o seu castigo, e lhe fustigavam violentamente. À beira do abismo ele olhou para os lugares da terra. E viu as crianças brincando nas vilas e nas cidades; viu as carruagens e os automóveis; os bares e prostíbulos, o sexo e o amor. Ele viu as vidas, as mortes, as desgraças e os milagres.
“Eis! Por entre estas montanhas titânicas posso ver os que brincam e os que choram! Ah, meu coração, quanta dor tu ainda comportas para assistires esta humanidade que evolui sem ao menos imaginar-te aqui, agora, neste rincão assombrado por estes ventos sem fim que te querem arrastar a alma inteira para lugares malsãos!"
Haes-Noryan, seu rosto estava crispado, sua pele ressecara, e sua velhice chegara antes da hora. Com o cenho grave, viu toda a felicidade que perdera um dia; todas aquelas que lhe tiraram os homens e as mulheres; e as que ele mesmo pôs por terra. Ai, que eram como um reflexo que se espraiava pelas superfícies monstruosas das montanhas como uma projeção infernal das cenas torpes de sua vida. E não cessavam, jamais cessavam. Ao contrário, aqueles sons e imagens no firmamento se tornavam cada vez maiores, cada vez piores.
Oh, meus amores! Minhas mães, minhas mulheres! Perdoai-me! E perdoai-me os que foram meus amados e meus odiados!
Neste momento Haes-Noryan viu se formar por entre as nuvens, exército de sombras negras. As mais pavorosas abominações que qualquer olho suportaria ver. Todas avançavam para ele, com seus dentes e suas garras. A luz obscurecera e já não havia mais resquício do ocaso multicor de outrora, quando elas vieram despejando-se do céu como miríades de diabretes fumegantes; invadindo tudo, chorando sem parar. Tão dilacerantes eram seus lamentos que Haes-Noryan desesperou-se com elas. E arrancava seus cabelos e suas roupas mordendo seus braços à rasgar-lhes as carnes com os próprios dentes!
Assim ele foi erguido, elevado aos céus revoltos onde jaziam seus horrores. Sob seus pés iam se formando nuvens vermelhas com o sangue que lhe escorria dos ferimentos. E nas bordas daquelas nuvens, milhares de coisas aladas, com asas monstruosas e negras, se reuniam a sorver o líquido pegajoso. Danadas elas eram, e ferozes, e vorazes. Enlouquecidas pela especiaria rubra, atacavam-se mutuamente, rolando umas por sobre as outras como hordas de ratazanas; suas bocarras empapadas emitindo esgares pavorosos pelo firmamento.
Subindo até alturas imensuráveis Haes-Noyan foi arrastado. E onde as feras o tocavam, arrancavam suas carnes; forçavam suas patas para dentro de seu corpo, até alcançarem seus ossos, agarravam ali, e era por onde o mantinham suspenso nos ares.
Nenhum homem viu o destino de Haes-Noryan. No céu e na terra uivos desconhecidos ecoaram pelo mundo por várias décadas. E os jardins jamais foram os mesmos em lugar algum. Pois Haes-Noryan foi então toda a tristeza no rosto de uma amante; toda a dor no seio de uma mãe; toda a aflição no coração de um filho. Haes-Noryan foi toda a angústia na alma dos velhos e dos inválidos. Toda a fome dos desvalidos e a vilania dos insanos.
Tudo isso ele carregava no semblante quando desapareceu deste mundo subindo eternamente a um cosmo negro. E mesmo quando passou por entre as nuvens malsãs, e a tormenta lhe arrancou as peles do rosto, seu aspecto era grave, soturno, raivoso e triste.
7 comentários:
Olá ,vim te repassar um selinho...
passa no meu blog pra conferir:
http://mundodarkness.blogspot.com/2009/09/selo-este-blog-tambem-e-cultura.html
parabéns...vc merece!
Aproveito para te perguntar se aceita uma parceria, seu blog é excelente!
Aguardo um retorno a respeito.
bjks,
.::Clau::.
oi não sei o que houve mais o banner não apareceu só a imagem vou mandar por aqui a imagem: http://img7.imageshack.us/img7/7762/bannerkyf.gif
acho que agora vai, rsrs..
desculpa o incomodo
Oi Henry,
Fico feliz q tenha gostado do selo e em ter aceitado a parceria. Já inclui seu banner no meu blog.Seu blog é excelente!
Inclusive eu estava pensando numa forma de poder divulgar mais alguns sites referentes a literatura gótica, divulgando alguns trabalhos de alguns escritores lá no meu blog.
Eu acho muito importante valorizarmos escritores brasileiros, pois existem varios escritores excelentes e q muita gente sequer conhece, nunca leram seus textos e é bom divulga-los.
Se vc tiver alguma ideia, me avisa?
Abçs,
.::Clau::.
Muito bom conto, Henry. Diferente dos demais que já li de sua auttoria, mas tão bom quanto. Prevalece sua assinatura, ao fazer com que possamos visualizar as imagens diante de suas descrições. Parabéns.
Excelente conto Henry. Chega a ser poético.
Henry, seu estilo é inconfundível. Quem conhece seus textos sabe que o nobre escritor acreano está assinando uma obra de inviolável competência. Este conto esquadrinhou-me a alma (mesmo que eu não tenha uma, rsrrs) e levou-me à lucubrações nunca dantes experimentadas! Parabéns, mestre.
Forjado a ferro e fogo! Excelente. Barretão dos confins fluminenses!
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