O proprietário e moderador deste blog, eu (rsrsrrs!), concedeu uma entrevista à revista IS MAGAZINE, da confraria literária Irmandade das Sombras, para a sua edição número dois. Eis aqui a integra da publicação.
ENTREVISTA DE HENRY EVARISTO A IS MAGAZINE
(Revista eletrônica IS Magazine, Edição nº 2. Entrevistador: Escritor Paulo Soriano, do site CONTOS GROTESCOS)
IS MAGAZINE – Henry, a quanto remonta o interesse pelo horror e pela fantasia?
Nossa! Acho que eu não saberia precisar uma data exata. Hoje, depois de tanto tempo de envolvimento com tumbas, caveiras e afins, fica difícil lembrar. Sei que desde pequeno tenho este interesse por coisas além do normal, por aquilo que transcende o ordinário do cotidiano. Um de meus sonhos de infância era ser viajante, não ter endereço fixo e estar sempre nos lugares mais inusitados, mais exóticos; no Haiti vendo os cultos voodoo ou na África que é a origem de tudo.
Costumo dizer que a primeira lembrança de algo fantástico em minha vida é a de um filme em branco & preto que minha mãe não me deixou assistir por eu ainda ser muito novo, isso lá pelos idos de 79/80. Até hoje não sei que filme era mas me lembro bem da imagem: Um gigante que atacava uma base ou acampamento e destruía tudo, tombava os carros e caminhões que encontrava pelo caminho.
Depois começaram a passar séries de terror na televisão: Além da imaginação, Sexta Mistério e Galeria Do Terror, nos anos 80, estão, por assim dizer, na base primordial de minha concepção artística.
IS MAGAZINE – Um dos seus contos deu origem ao que Rogério Silvério de Farias chamou de "delirantismo". Você poderia falar um pouco sobre essa vertente literária?
Eu gosto de estar identificado dentro de um estilo ou gênero; acho isso importante para um escritor (mesmo um desconhecido como eu!). Credito esta necessidade ao instinto gregário do ser humano, aquele que determina a nossa "urgência de pertencimento".
Acredito que a palavra delirantismo defina um tipo de texto quase indefinível. Ora, se ele é delirante, ele pode ser qualquer coisa menos convencional. Porém, eu vejo o delirantismo mais ligado à ficção-científica do que a qualquer outra coisa. Se olharmos bem, REFLEXÕES DE GARDÊNIO é um pequeno conto de ficção-científica. O protagonista está no limiar do mundo que, para ele, assim como para tantos outros personagens de nossa vida real, é terrível, infernal; e ele vê/causa a sua destruição por bombas atômicas. Ele encontra-se num estado mental tal, que tem em seus delírios a única saída para suas agruras. Ele então dá cabo da obra divina num vôo fantástico convolado em corvo.
Talvez possamos estabelecer daí que as características principais do delirantismo sejam a personagem mentalmente desorientada, as imagens surreais criadas por esta mente, a pressão do ambiente sobre uma mente delirante e o resultado fantástico de toda esta mistura.
Por outro lado creio que haja no estilo outra forma de estabelecê-lo como tal. A maneira como o texto é desenvolvido também é determinante. A escrita de um texto delirantista tem que ser, ela mesma, delirantista. Não se pode predeterminar muito como será o desenvolvimento de estória; ele tem que ser tão inusitada para o escritor quanto para o leitor. É quase como uma psicografia que se recebe em partes separadas. Uma "bagunça organizada" na mente de quem a elabora. Falar mais sobre o delirantismo, acho, é tirar seu aspecto primordial: o delírio.
IS MAGAZINE – Você é, também, historiador. Essa ciência, de alguma forma, contribui para com a sua produção literária?
Sim. Foi no curso de História que eu aprendi a escrever de uma forma mais consistente e entendi que não se pode dar informações erradas a respeito de nada do que se escreve. Também aprendi a colocar minha imaginação em ordem de forma a elaborar textos fantasiosos, delirantes até, mas nunca completamente descabelados. Os textos dos mestres pensadores da filosofia, da sociologia e da historiografia ensinaram-me a ordenar os pensamentos e traduzi-los em palavras aceitáveis para os leitores.
No que diz respeito ao conteúdo que costumo abordar, não poderia dizer que o curso de história me auxilie muito. Eu lido com a fantasia!
Quando comecei a estudar História Medieval eu ficava louco esperando a hora em que o professor iria começar a falr da inquisição, das bruxas e dos demônios que habitavam o imaginário medieval. Acabei o curso sem ouvir mais que um ou dois parágrafos sobre isso. Me arrisco a dizer que o curso de história, neste aspecto, é muito normal e careta; prefere se ater aos modos de produção, aos maneirismos das épocas, as noções subjetivas de tempo e espaço e a relação cultura/meio ambiente. Coisas triviais do nosso mundo, que, mesmo passando despercebidas pela maioria das pessoas, ainda assim, não se habilitam como "entidades preternaturais". Penso que no curso superior de história deveria haver mais uma disciplina: "Ciências ocultas à luz das ciências humanas", ah, isso sim tornaria o estudo mais interessante!
IS MAGAZINE - Você é músico. Conte-nos um pouco sobre isto.
Nossa! Esta entrevista terá quantas páginas?
Minha vida como músico percorre 20 anos de minha vida. Comecei nos anos 80, com 12 anos. Antes, porém, minha primeira manifestação musical foi ganhar três concursos de imitador do Michael Jackson! Depois meti na cabeça que eu era um dos integrantes do Menudo. Quer dizer: comecei como dançarino! Foi ouvindo as músicas das coreografias que desenvolvi o gosto pelas melodias e pelos rítmos.
Nos anos 80, mais especificamente de 85 em diante, aqui no meu estado estourou a onda do Heavy Metal. Todo mundo tinha que gostar de Iron Maiden e Kiss (olha o sentimento de pertencimento aí de novo!). Eu costumava dar festas em minha casa, enchia a varanda de pré-adolescentes fedidos e descabelados, amigos do colégios, gatinhas das redondezas. Eu sempre fui bastante introspectivo, calado, quieto. Nesta época esta característica me fez estar sempre mais perto das mesas de som do que das pistas de dança (cheias de pessoas!). Com isso passei a me envolver cada vez mais com as sonoridades dos lps, a valorizar a pesquisa de coisas novas na área musical, a apreciar mais o som que saía das caixas acústicas do que a festa em sí. Andava pra todo canto segurando dezenas de discos. Virei o disc-jockey oficial da minha turma. Em casa minha mãe se preoculpava cada dia mais em ver seu filho almoçar e jantar em frente ao aparelho de som.
Em 1987 conheci a música eletrônica e deixei de lado as podreiras do heavy metal (é, eu também não tomava banho!). Vangelis, Jean Michel Jarre, kitaro e Kraftwerk tomaram conta totalmente da minha alma. Larguei todos os outros estilos (eu era fã do Sidney Magal também!) e passei a pesquisar sobre o novo estilo. Achei na única loja de discos de Rio Branco um lp ao vivo do Jarre e aquilo mudou minha vida! Eu entendia que aquele estilo era predominado pelos sintetizadores e passei a aperrear minha mãe para que me comprasse um imediatamente. Pouco tempo depois, num natal maravilhoso, consegui o que queria. Comecei a bolinar o instrumento cedo na manhã do dia 25 e, à noite, já estava tocando a minha primeira composição, sem jamais ter tido nenhum contado com as teclas ou com qualquer outro instrumento musical. Tinha doze anos então.
Em 1991 montei minha primeira banda. Em fortaleza juntei uns amigos de escola e formei a banda Nexus. Tocávamos clássicos do Synthpop, do Spacesynth e da New Age; além de apresentarmos composições próprias. Acredito hoje que esta passagem seja uma das mais importantes de minha vida. Cometi muitos erros e muitos acertos neste tempo.
Depois, no fim dos anos 90, já de volta ao Acre, envolvi-me com as bandas profissionais da noite. Não há muito que valha a pena falar sobre este tempo. Eram muitas dificuldades, muito desrespeito e muita desilusão. Aqui em meu estado a profissão de músico é vista com desconfiança generalizada. A mentira, a trapaça, a hipocrisia são as palavras de ordem no meio e não há amizade que dure além do tempo de existência do próprio grupo. Uma tristeza esmagadora para alguém com a sensibilidade sempre a flor da pele como eu. Quando entendi que para continuar eu precisava me embrutecer, me transformar numa espécie de Hulk florestal, eu desisti e me "aposentei". Ganhei muito dinheiro no período entre 1995 e 2003, depois foi apenas perda de tempo e cansaço.
IS MAGAZINE – O contista amador Paulo Soriano, certa feita, disse que você é um mestre na arte de induzir no leitor à sensação de medo. Esta é, realmente, a tônica de seus contos?
Sim. O medo primordial do sobrenatural, daquilo que pode ou não espreitar no escuro onde nada se vê. Mas esta é uma busca constante para mim, não creio que já a tenha alcançado alguma vez.
Mas tenho também certo lado existencial nas coisas que escrevo em forma de prosa poética. E tenho também alguns trabalhos de cunho mais político-social guardados em velhos cadernos, mas, no momento, não tenho muito interesse em tornar públicos. São textos de crítica ferrenha a filosofias como o socialismo, o comunismo, o cristianismo e o capitalismo e, de certa forma, apologias ao que eu chamo de Anarquismo científico ou consciente e até mesmo ao satanismo.
Como já falei, sou muito emotivo e acho que com a idade, as doses de emoção vão tendo que ficar cada vez mais fortes para poderem fazer efeito. O mundo corrompe a poesia humana! Gosto de emoções fortes, provocantes, que mexem com os princípios e com as crenças; que dão um nó na garganta.
A maior base de avaliação para o que eu escrevo sou eu mesmo. Escrevo aquilo que eu acho que vai funcionar; ou aquilo que eu gostaria de ler. Tendo em vista que ando envelhecendo muito rápido e que as doses de terror para mim precisam ser cada vez maiores sempre, creio que aquilo que me assusta sempre estará se reformulando e, por conseqüência, minha busca pelo texto mais assustador está ainda longe de ter fim.
IS MAGAZINE – Henry, como você vê o mercado literário no Brasil, especialmente no gênero do terror?
Já se convencionou dizer que o brasileiro não gosta de ler. Há, no entanto, quem defenda que o brasileiro não lê porque não tem oportunidades, não tem acesso à leitura. Entre uma vertente e outra, tenho observado um número notável de pessoas escrevendo terror tanto no universo virtual como no real. Hoje se ouve falar em nomes como André Vianco, Giulia Moon, Daniel Salgado e Helena Gomes e tem-se a impressão de que há mais nomes do que o normal envolvidos no assunto. Isso é bom, em face do histórico nacional de literatura fantástica.
Por outro lado, apesar de ver como positiva a atual conjuntura da "Litfant" (como costumo abreviar) em nosso país, com certeza ainda há um longuíssimo caminho a ser percorrido antes que este se torne um gênero popular ou, pelo menos, de maior apreciação e credibilidade. Esta caminhada abrange aspectos como a seriedade da postura do escritor, o conhecimento dos meandros que tornam um texto coeso e coerente, o desenvolvimento da própria técnica da escrita, da descrição e do vernáculo mesmo. É preciso que os escritores de terror se especializem nisto com seriedade. Penso que o caminho para um futuro da Litfant brasileira seja este.
Você pode pensar: De que adianta escrever textos com esmero se os editores não dão bola? E eu digo: De que adianta os editores darem bola para o seu trabalho se ele é ruim, fraco, mal feito?
Antes de tudo os escritores de literatura fantástica têm que mostrar serviço; por isso creio que a grande revolução do gênero no Brasil pode sim vir da internet, dos escritores virtuais, dos amadores. Existe muita coisa ruim, medíocres, mas se o leitor souber procurar com atenção, existem escritores muito bons. Eles estão apresentando trabalhos excepcionais. Amadores que, diga-se de passagem, são bem melhores (excetuando eu, é claro!) que muitos dos profissionais que estão soltos por aí.
IS MAGAZINE – Algum projeto literário em vista?
Eu sou a pior pessoa deste e de outros universos para elaborar projetos. Mesmo assim, como sou brasileiro e não desisto nunca, atualmente estou escrevendo um pequeno livro chamado A PRIMA MORTA. Também preparo a terceira parte de um conto chamado O ESPELHO DE MORANUS. Vamos ver se até o final do ano consigo concluir um dos dois. Aliás, esta minha incapacidade parcial de concluir meus projetos é algo que me incomoda bastante. Não gosto de ver trabalhos inacabados mas, às vezes, é algo que foge de meu controle. Acho um tremendo desrespeito com o leitor que acompanha minha obra. E aproveito para pedir desculpas aos amigos que aguardavam a conclusão de trabalhos como O DEGHAMMON, A ESTRADA PARA A VILA DOS LÁZAROS e INCIDENTE NA SERRA DE MARANGUAPE cujos projetos foram paralisados indefinidamente.
IS MAGAZINE - Como mestre do terror, quais as leituras que você recomenda aos nossos leitores?
Sem dúvida, qualquer amante de literatura de terror deve e precisa ler o conto A PATA DO MACACO de W.W. Jacobs. Indico também OS SALGUEIROS de Algernon Blackwood, o romance A ASSOMBRAÇÃO DA CASA DA COLINA de Shiley Jackson, o surpreendente A COR QUE CAIU DO CÉU de Lovecraft, O EXORCISTA do William Peter Blatty, O CASO DE CHARLES DEXTER WARD também do mestre H.P Lovecraft, A QUEDA DA CASA DE USHER e BERENICE de Edgar Allan Poe.
Ufa! Acho que isso aí já dá para umas boas noitadas de calafrio e pesadelos. Mas existem milhares de textos maravilhosos por aí, na net, de graça! Quem quiser mais indicações pode entrar em contato comigo que fornecerei com prazer na medida do possível.
IS MAGAZINE – Fale-nos um pouco sobre a Irmandade das Sombras.
A Irmandade das Sombras é a minha principal atividade hoje em dia na internet. Quase tudo o que faço quando estou on line é sobre e/ou para ela. É um grupo e um projeto muito especial para mim. Quando entrei para o site que nos serve de sede, o Recanto das Letras (http://www.recantodasletras.com.br/), jamais pensava acabar fazendo parte de algo assim.
Ocorre na I.S algo muito interessante. As pessoas que participam conosco, mesmo as mais novas, as recém-chegadas, sentem-se envolvidas por tal clima de cordialidade e calor humano que são capazes de desenvolver afinidades umas com as outras como se se conhecessem no mundo real. Este sentimento de grupo (olha ele aí de novo!) tem nos proporcionado conquistas. Neste momento ainda estamos todos exultantes com o livro que nosso grande amigo Paulo Soriano fez publicar contendo contos dos membros do grupo. Isso é um ato heróico tanto nestes tempos aculturados que vivemos quanto na atual conjuntura econômica (que parece ser sempre a mesma!) do Brasil. Não preciso me estender muito para expressar o que é a Irmandade das sombras para mim, sem ela é provável que eu jamais veria algum trabalho meu publicado em papel de verdade, num livro de verdade, com capa, com caracteres e tudo mais. Segurá-lo nas mãos pela primeira vez foi uma emoção que ainda tenho que evoluir mais para poder explicitar.
Estas felicidades e esperanças são todas possibilitadas pela existência da Irmandade. Logicamente é um grupo que precisa evoluir em termos de políticas internas (seja o que for que isso quer dizer!) em busca de um rumo mais lógico; ou seja, mais organizado e mais crível. O livro foi um passo de suma importância para a ampliação destes conceitos; uma maneira de anunciar nosso advento; que nós existimos; que estamos no páreo e que queremos ficar. O tempo e a experiência se encarregarão de nos dar o devido polimento.
A I.S congrega hoje alguns nomes que, tenho certeza, fazem parte da construção do futuro da literatura fantástica nacional. Mesmo que algumas destas pessoas não venham a se tornar escritores fora do mundo virtual, mesmo assim, suas obras estarão registradas para quem quiser ver e comprovar suas qualidades.
IS MAGAZINE – Como Henry Evaristo define-se a si mesmo?
Nossa! Acho que sou fraco, covarde, irresponsável, mimado, egoísta, egocêntrico e até meio etnocêntrico (apesar de ser do norte!). Que feio, eihn! Mas é verdade! Se tem algo que sou realmente é auto-crítico. Quase tudo o que faço me soa feio e desajeitado.
Mas sou também muito bem humorado, sarcástico, observador (quando quero somente!). Sou liberal ao extremo, acho que todo mundo deve fazer absolutamente tudo o que quiser, onde, como, quando e com quem quiser. Não gosto de regras, nem de imposição de ideais de nenhuma espécie. Não gosto de religião, nem de futebol, nem de jazz, nem de verdura de nenhuma espécie. Odeio leite de vaca e não ando de barco de jeito nenhum. Também não durmo em rede!
Tenho sérias dificuldades em fazer amigos e mais dificuldades ainda em manter as poucas amizades que tenho. Sou bem anti-social, calado demais, contemplativo demais. Esqueço dos amigos e de tudo mais. Fico apenas lá parado, olhando as nuvens, calado, parado, como uma montanha solitária. Não vejo nada, não ouço nada, não sei de nada. Sou quase nulo em minha vida cotidiana!
IS MAGAZINE – Você gostaria de deixar uma mensagem aos nossos leitores?
A Literatura fantástica é a melhor literatura. Ela fasta o leitor dos males cotidianos apresentando a ele males outros que não o podem atingir. Ela o faz “mergulhar em mares nunca dantes navegados” e exerce profundo e grande poder sobre a sua capacidade imaginativa. A Litfant é para pessoas imaginativas ou que querem se tornar.
Amigos, o mundo é para os imaginativos compreenderem! Não há compreensão do mundo, e consequentemente não há poesia no mundo, sem a imaginação. Uma sociedade que não tem criatividade, que não exercita a imaginação, está ainda mais adiante no processo de extinção, a extinção da beleza da própria alma antes de tudo. A literatura fantástica aproxima-nos das esperanças que residem nos mundo oníricos pois é onírica e subjetiva toda a esperança. Lia os textos dos autores clássicos e busque conhecer os novos escritores. Leve a sério sua busca e selecione o que há de bom, e há muita coisa. Assim você estará entrando em contato com um universo que ainda guarda maravilhas em face dos horrores reais que nos reserva este nosso pavoroso mundo real.