Este foi o primeiro texto que publiquei na internet; com o qual adentrei este mundo da literatura virtual. Hoje, passados três anos de sua primeira aparição no site Recanto das Letras, republico-o aqui na Câmara (onde tmbm já foi publicado em 2007). Boa leitura
A NOITE EM QUE VIESTE
Henry Evaristo
Henry Evaristo
A noite em que vieste estava fria como nunca antes. Meus olhos marejados te avistaram através da janela, caminhando na direção da casa em meio à neve e às trevas, como se combalido e furioso; mas nunca perdido, visto que bem sabias onde tinhas chegado. De pronto te abri minha porta e não te fiz perguntas desnecessárias fingindo espanto em ver-te. Ambos sabíamos que eu fora aquele que te trouxera ali e nossas palavras eram, então, articulações infrutíferas. Deixei-te a vontade para olhar por todos os cantos de minha humilde moradia e não te interrompi nem um minuto sequer; nem mesmo quando, incontinenti, invadiste minha alcova onde descansava o corpo de minha esposa. Como me ordenaste em sonhos, sacrifiquei-a em teu nome para que ela, ao partir deste mundo pelas minhas mãos, pudesse contribuir com sua paixão para a minha glória final.
Te acompanhei depois ao porão onde encontraste os símbolos mágicos necessários para a tua invocação, aqueles que tu mesmo bem ensinaste aos magos na idade das trevas. Usei-os com a maestria resultante de vinte anos de estudos árduos movidos pela curiosidade, mas, sobretudo, pela necessidade de abandonar este mundo pequeno e atingir outras esferas; pela chama que ardia em meu peito e que dizia "Tens que ser um homem de grande espírito e com poderes sobre as riquezas da matéria e as vontades alheias!". Vi o brilho louco em teus olhos quanto comprovaste que tudo estava certo e que podias terminar o que eu começara.
Como a borda negra de um abismo insondável, mestre, tu te voltaste para mim; e teus olhos em chamas encheram meu corpo de esperanças. Lança-me, homem negro, nas profundezas de teu abraço inflamado que eu mergulharei nos caminhos de tua maldade infinita e de tua liberdade que é pecaminosa aos olhos dos homens, mas benfazeja aos meus. Me investe da palavra de teu reino para a tua glória! Toma agora minha alma e me dá o mundo!
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
Publicação original em: 26/05/07