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1.8.07

UM AMIGO




Um conto de
Henry Evaristo




Ninguém sabe o que foi feito de Aaron Dembry. Nem em sua casa, nem no trabalho, nem no clube dos atiradores amadores do qual ele fora membro fundador. De súbito se deu seu estranho desaparecimento. A esposa, Patricia Normms Dembry, está inconsolável e os filhos, David e Christian, desorientados devido a pouca idade e a conseqüente incapacidade de absorver e/ou conceber o que se passa com clareza. As polícias do município e do estado, e mesmo os investigadores especiais, nem ao menos suspeitam de alguma explicação que sirva para o ocorrido depois de tantas buscas nos arredores; nas residências dos amigos mais próximos, inclusive na minha; e até mesmo em necrotérios e prostíbulos. Centenas de pessoas já foram interrogadas nas redondezas e a mais absoluta falta de quaisquer indícios auxiliares à questão deixou a comunidade e as autoridades completamente estarrecidas.

Eu, William Prescott, sou o melhor amigo do professor Dembry, o dileto membro dos meios acadêmicos locais; e o único com conhecimento, ainda que guardado em estrito segredo, do que ocorreu na manhã de domingo do dia 26 de Junho de 2006. Ouso afirmá-lo pois conhecia o desaparecido desde a mais tenra idade. Crescemos os dois juntos num subúrbio fétido de Nova York fazendo da destruição completa de velhos automóveis abandonados em terrenos baldios nossa única diversão.

Sei no que Aaron andava metido nos últimos dias de sua presença entre nós e digo que não era em boa coisa. Meu amigo sempre foi um curioso nas estradas do oculto. Desde criança lhe fascinavam os temas da magia, sortilégios, prestidigitação, feitiços e toda sorte de assuntos que para mim não passavam de diabolismos pagãos. Bem cedo em sua vida conheceu e estudou com afinco a obra do tresloucado Aleister Crowley de forma que, aos 21 anos, era uma espécie de especialista na magia Thelêmica de seu suposto e platônico mestre inglês. Também se debruçava horas e horas, dias e dias, sobre tomos estranhos e desconhecidos (pelo menos para mim!) que mandava buscar do estrangeiro a preços exorbitantes. Não obstante, ele não se incomodava absolutamente em arcar com as despesas; ocasião em que invariavelmente era tomado por sorrisos incontidos de felicidade mas também por um indisfarçavel nervosismo.

Meu amigo sempre estivera ligado inextricávelmente a estas coisas e não foi apenas uma vez que tentei me afastar de sua companhia por achar que estava indo longe demais. Creio que seria reduntante enfatizar o fato de que minhas tentativas de dissuadí-lo de todo aquele universo negro foram sumariamente rechaçadas.

Na última noite, há três semanas, ele me chamou a seu apartamento para me mostrar como podia reviver um pássaro morto evocando os poderes de Adramelech, “presidente do supremo concílio do inferno”, segundo me explicara em conversas prévias, e de acordo com a demonologia cristã. Mas para ver este acontecimento em específico eu não consegui chegar a seu endereço. Algo parecia estar me retendo em casa. Primeiro uma queda de energia fez com que ficasse impossibilitado de banhar-me e trocar de roupa. Depois, encontrei o carro com dois pneus murchos dentro da garagem; como se alguém os houvesse deixado daquela forma de propósito. Então um telefonema me fez correr de volta para o interior de minha modesta residência. Era ele. Sua voz estava ofegante e embaralhada. Vociferava esforçando-se para se fazer entender como se ele mesmo não o conseguisse. "Por que não está aqui?" Gritara. " Você precisava ver!"

Eu repetia a cada instante para que ele se acalmasse e me explicasse o que acontecera. A casa ainda estava em total escuridão e de repente me pareceu sentir uma brisa fria que se insinuava pelo ambiente partindo de algum ponto oculto de minhas vistas. Sentado à mesinha do telefone, eu me sentia como se mergulhado num oceano de escuridão sem fim. Não havia mais ninguém comigo naquela noite.

"Eu o pus vivo, will, e ele voou de novo" Continuava Aaron. E então me disse algo que jamais vou esquecer e que ainda ouço até hoje retumbando em meus ouvidos: "Só que o evocado não quer ir embora! Venha! venha!". Depois nada mais veio do outro lado da linha apesar de minha insistência. Lembro-me de pensar ter ouvido um balbucio inarticulado e nada mais além de um silêncio aterrador.

Por muitos anos a suma ambição de Aaron fora fazer um pacto com as forças ocultas que tanto estudava; convolar-se, ele próprio, em uma oferenda às potências abissais que ele insanamente cultuava. E, assim, alcançar, segundo ele, algo indizível ao ser humano; o ápice da experiência no cosmos.

Pois bem, podem me considerar um louco, mas sei que foi isso o que ocorreu durante a madrugada do dia fatídico de meu amigo. Na ocasião, e isso eu só soube depois, ele expulsara a esposa e os filhos do apartamento obrigando-os a ir pernoitar em casa de parentes distantes. Apenas ao retornar na manhã seguinte é que a mulher encontrou o local abandonado e com todas as portas e janelas trancadas por dentro.

Aaron Dembry desaparecera e restara apenas um estranho pássaro preto que saltou para o lado de fora e desapareceu pelas escadas do prédio tão logo a porta da frente foi aberta.

Cheguei ao edifício por volta das nove da manhã. A polícia já estava lá. Cercou-me assim que saltei do elevador querendo saber o que eu fazia ali e que relações eu tinha com o professor. Depois de minhas convincentes explicações, mesmo apesar de estar sozinho na noite passada e, portanto, tecnicamente sem um álibi, fui autorizado a falar com a esposa e os filhos e a andar pelos cômodos.

Havia livros e mais livros espalhados por toda parte e sinais místicos desenhados canhestramente com lápis de cera no chão e nas paredes da sala. Um deles fui capaz de reconhecer das inúmeras vezes em que vi Aaron exaltar-lhe as “propriedades”: O pentagrama de Salomão, sob o domínio do qual o indivíduo pode se servir de colunas de anjos ou falanges de demônios.

Patricia veio então do quarto do casal com um papel cuja face mais visível trazia escrito meu nome. Era aparentemente uma carta endereçada exclusivamente a mim. Afastei-me de todos, fui ao banheiro e lá me tranquei sob o olhar atento e reprovador da esposa. "Desculpe-me!" Ainda disse antes de fechar a porta. Lá dentro abri apressadamente o envelope da correspondência. Era um papel antigo, uma folha de caderno escolar coberta com manuscritos aparentemente infantis. Porém com uma nota recente anexada em outro papel mais novo. Dizia o seguinte:

"Will, este velho documento que te endereço foi escrito quando ainda éramos crianças. Bem, tu, obviamente, mas eu, nem tanto. Minha alma já é tão velha quanto a soma do triplo de nossas idades, creio. Veja! Não sei exatamente o que ocorrerá esta noite mas creio que daqui pra frente jamais estaremos juntos de novo. Não posso mais esperar tua chegada aqui. Vou começar o ritual. Tenho que reviver o pássaro como prova de que sou digno e estudei com afinco. Queria muito que tu aqui estivesses para testemunhar a consagração de minha obra e para observar como o conteúdo do papel que te deixo está errado. Ah, meu irmão, há tantas coisas que tu não sabes! Aquilo que eu conhecia como etéreo no passado é tão real quanto a minha carne e a tua! No entanto sei que te estão retardando ou até mesmo prendendo em casa para que não venhas e não te envolvas. Tens uma guarda muito boa por mais que não acredites!

Vê! lê este manuscrito em segredo e saberás, se eu me for, quem veio aqui me buscar!

Passei então à leitura do papel antigo. Eis a sua íntegra:

"Tenho um amigo especial: um que está sempre presente em minha vida tanto quanto na de todos os seres que vivem na terra. Antes de tudo ele já estava aqui; antes das águas dos oceanos, das neves nas mais altas montanhas e das terras dos desertos mais ancestrais. Antes do homem e da inteligência do homem ele aqui já estava; antes do tempo!

Este amigo meu é temperamental não aceita diminuições de sua importância para com os meandros da vida dos seres pois acha ele que sem sua participação ativa na formação de tudo o que há na terra, a nível seja do que há de humano, de vegetal ou de bestial; seja no âmbito da consciência ou da inconsciência, a vida não seria possível ou seria, no mínimo, inviável. Ele crê que seja a metade do todo que fundamenta o mundo.

Ao longo da história da humanidade meu amigo recebeu dezenas de nomes; é conhecido onde quer que se vá em torno do globo e quiçá fora dele! Foi e é execrado por onde quer que se fale seu nome. Por sua causa homens enlouquecidos tiraram a própria vida e a de outros. Em seu nome os humanos imolaram crianças e beijaram os ânus dos asnos em meio a bosques desolados. Por seu intermédio maridos assassinaram esposas e proles e, para ele, milhares de artistas em todo o mundo tentaram se entregar em demanda de sucesso urgente!

Não preciso esconder de quem estou a falar neste escrito. Todo aquele que vive na terra o conhece e teme. Sua fama o precede. Seu espectro assombra o nosso imaginário; sua sombra resta pousada nos cantos escuros de nossos piores pesadelos. Ao longo dos séculos fomos treinados a temê-lo e doutrinados a combatê-lo pelas mesmas forças que promovem seu nome pelo mundo e que lhe dão toda a divulgação de que necessita para impor suas influências.

Acredito no poder de sua idéia, forjada que foi não pelas esferas sobrenaturais, como querem fazer crer os religiosos, mas por uma força que é (esta sim!) a sua verdadeira natureza: a força que existe no coração do homem, que remove montanhas em busca da realização pessoal. O mal objetivo, aquele que se esgueira nas matas escuras onde as bruxas se reuniam e que palpita, ainda hoje, nos púlpitos das igrejas, é apenas uma personificação do mal interior, habitante pavoroso das regiões mais pútridas do coração humano.

É este o meu amigo. E digo que lhe tenho amizade porque não posso com ele."




Aaron Dembry
Novembro/1975


Assim termina a última forma de expressão de meu melhor amigo. Um amigo que, quando jovem, acreditava na personificação do mal apenas como uma metáfora da inata perversão humana. Mas ele estudou muito e muito avançou para dentro de grotões de um saber que não é permitido aos homens. Sabe-se lá no que acabou esbarrando em meio às trevas dos arcanos proibidos. Tremo ao dizer isto mas não foi algo metafórico que o arrastou consigo naquela noite, em absoluto! Isso eu sei e afirmo categórico. Então eu e todos os presentes no local do desaparecimento não vimos estupefatos as terríveis marcas de cascos impressas no soalho da sala? Será que não sentimos o nauseante odor do sulfur(1) que pairava no ar e que ainda incomoda a cada um de nós até hoje?
______________________________


1 - Sulfur: enxofre
* (N. do A.) - A ilustração desta postagem trata-se do "Andrógino de Kunrath", símbolo místico criado pelo filosofo ocultista alemão do século XVII Heinrich Kunrath para expressar a dualidade da natureza masculina e feminina do universo. Reinterpretada no século XIX pelo ocultista francês Elifas Levi, a figura deu origem ao famoso "Bode de Mendes", que é também, segundo o cânone cristão, uma das simbologias para o demônio Baphomet supostamente cultuado pelos templários em Jerusalém.

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