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15.5.08

A TERRÍVEL SOLUÇÃO

Um eminente professor busca vingança para a traição de sua esposa neste conto inédito do escritor carioca Luciano Barreto. Boa leitura!



A TERRÍVEL SOLUÇÃO
Luciano Barreto

O homem gordo e barbudo respirava lentamente na escuridão. Tinha as mãos nos bolsos. O local que ele estava era um jardim abarrotado de plantas. Ele esperava sua mulher. “Um presente para você, querida! Um lindo presente.” – falava baixinho para si, em tom sombrio.

Creio que o amigo leitor ainda não tem noção do desespero reprimido deste homem. Um desespero regado a triunfo e com leve pitada de justiça. Então, é preciso retroceder e revelar a causa desse sentimento que é algo entre a tristeza e a felicidade e depois, tornou-se algo entre loucura e a satisfação.

O homem gordo citado acima é o doutor Eduardo Homero, chefe do setor de genética vegetal da Universidade Estadual Fluminense e casado com Vilma Homero, uma linda moça de trinta e dois anos de idade. Eduardo era três anos mais velho do que a esposa. O casal era, até certo ponto, feliz. No que tange a Vilma, o pior do relacionamento era o fato de seu marido transar cinco ou seis vezes por mês. Da parte de Homero, era o fato de ser traído por sua mulher.

O doutor Eduardo Homero era muito bem conceituado na Academia do ensino. Ministrava aulas nos cursos de biologia e química. Em paralelo, desenvolvia pesquisas genéticas em plantas. Sempre fora conhecido por sua calma e passividade. Talvez esse fato fora a mola-mestre para mantê-lo equilibrado por seis meses, depois que tomou conhecimento da infidelidade de sua esposa.

A partir desse dia começou a examinar o modus operandi de seu algoz amoroso. Era um jovem cujo nome fez questão de não saber. Entretanto, certificou-se quem era o rapaz. Um vendedor de uma loja de calçados do centro da cidade.

Durante seis meses não tocou sua mulher. Dedicava-se inteiramente a um projeto de mestrado reprovado. Em mente, uma solução tão terrível quanto singular. O aluno que o ajudava era Rafael Conoccio. Um jovem bastante estudioso e que tencionava lecionar na própria instituição. O projeto de Conoccio fora reprovado por uma banca composta por três doutores. Um deles era o doutor Eduardo Homero. A reprovação se deu antes de o doutor Eduardo tomar conhecimento do lado adúltero de sua esposa.

Mas a mágoa dissipara-se quando, para enorme surpresa de Rafael, Homero o interpelara nos corredores da faculdade e o chamara a sua sala: “Preciso falar com você, Rafael. Vamos a minha sala” – pediu o doutor Homero. Surpreso, Rafael o seguiu imediatamente.

Já dentro da sala, o doutor Homero, após sentar-se e oferecer a cadeira ao visitante, foi direto ao ponto: “Quero propor outro tema para seu projeto de mestrado. Eu vou te orientar daqui em diante.” O bacharel, empertigado, desconfiou da proposta, mas estava interessado. Isso, Homero conseguiu captar no tom de voz de seu interlocutor.

“Pois bem, professor Homero, eu aceito seu convite e fico muito lisonjeado. Em que se resume a proposta?” – indagou o jovem graduado.

“O projeto agora, meu caro, será desenvolver uma Dionaea Muscipula geneticamente modificada. Precisamos alterar suas dimensões e suas forças. Ela precisará quebrar algo duro. Quero que ela atinja, pelo menos, dois metros de altura”.

Conoccio arregalou os olhos e encostou-se no espaldar da cadeira. Parecia surpreso e indeciso. Homero já estava preparado para tal reação. Para tanto, garantiu que precisava da resposta naquele momento e que era preciso que o orientando fizesse total sigilo quanto ao fim colimado do projeto. Para efeito institucional, o projeto consistiria em criar, tão somente, uma variante de uma planta no que se referia à cor.

Relutante, Rafael balbuciou: “uma planta...” – o doutor Eduardo o interrompera de maneira áspera. “Comece agora. Eu já iniciei pesquisa acerca desse tema há muito. Na verdade esse seria meu projeto de mestrado. Deixei de lado porque não tinha um orientador corajoso como eu. Então, tenha júbilo. Você tem um orientador corajoso. É preciso agir hoje, realizando algumas tarefas que não são complicadas. Você será capaz de fazê-las. Tange a repetição e não a intelecção. Por enquanto será assim. Quando eu precisar de sua intelecção eu a requisitarei” – finalizou o professor.

Ainda pensativo, o jovem perguntou: “Sobre as apresentações, professor?”

“O que tem?” – indagou o professor com sorriso contido.

“Quando serão?”

“Primeiro faremos os testes, depois pensaremos nisso. A princípio, quero um exemplar para daqui a seis meses.” O professor sabendo que o tempo realmente era insuficiente e reparando a fisionomia de desaprovação do outro, foi enfático. “Está bom ou está ruim? Não podemos perder tempo. Você será mestre sob minha orientação. E o crescimento da planta será acelerado geneticamente por mim. Eu já tenho esse estudo pronto. É viável!”

Rafael levantou-se e olhou para o rosto redondo e barbudo do professor. Sabia que um projeto orientado pelo doutor Eduardo Homero seria passaporte carimbado para um doutorado em qualquer universidade pública do país. Depois de alguns segundos disse em voz decidida “Pode contar comigo, professor”.

Eduardo estava com as mãos cruzadas sobre a enorme barriga quando disse: “Ótimo, meu jovem. Usemos o laboratório Bio - 2. Você vai trabalhar sozinho sem ninguém por perto. Eu passarei por lá sempre que puder”.

O bacharel agradeceu e se retirou. Seu destino foi o laboratório onde iria trabalhar no projeto. Iria começar naquele momento.

A base genética da planta ficara pronta em um mês e fora modificada pelo doutor Eduardo Homero. Assim, a planta cresceu rapidamente. Ela não se alimentava, senão por um soro injetado diretamente no caule. Um soro que a dopava e, ao mesmo tempo, a alimentava. Conoccio não participara do estudo genético. Sua única função era, até o momento, cuidar da planta, ou seja, ministrar o soro e efetuar algumas podas estratégicas. Após três meses o vegetal atingiu um metro e oitenta de altura. Não era o tamanho ideal, mas já teria utilidade. Era uma planta que possuía um caule grosso de cor levemente esverdeada, com largura de quase setenta centímetros e no cimo ostentava um bizarro pecíolo com um limbo foliáceo orlado com lobos denteados e ominosos pêlos. Sua cor era o mesmo verde do tronco. O interior do limbo, entretanto, era escarlate. Uma enorme planta carnívora. A modificação genética ocorrera no tamanho, no processo de digestão da planta e na – digamos – força da capacidade de morder.

A logística para levá-la até a casa do doutor Homero fora problema resolvido por um caminhão-baú que a transportara com a devida discrição. Principalmente por ser um domingo à tarde, momento em que Vilma visitava seus pais. Com a ajuda de Rafael, tudo se tornou mais fácil.

A planta ficou por algumas horas no jardim dos fundos da residência do doutor Eduardo que cessara as poderosas doses do notável soro-tranqüilizante. A noite chegou rápida naquele domingo. O professor Homero arrumava-se para ir à missa das sete horas. Colocou seu melhor terno. Como de costume, nos últimos meses chamava sua esposa e ela, que já havia chegado da casa dos pais, declinava prontamente o convite. Dizia que preferia ficar em casa. Preferia ler a Bíblia a ir à igreja. Mas na verdade preferia ficar com seu amante.

Foi naquele domingo que doutor Eduardo faltou a missa pela primeira vez nos últimos três meses. Fizera tudo como nos últimos meses, mas ao invés de tomar a avenida central que o levaria ao templo, tomou a entrada para o retorno que passava em frente a sua residência, onde parou seu veículo e, esgueirando-se silenciosamente pelo portão, rumou para o jardim.

Já era noite e quando chegou, encostou-se no muro que delimitava seu terreno. Esperou por exatos quarenta minutos. Foi quando ouviu um murmúrio zombeteiro. Era o amante de sua esposa. O ambiente estava bastante escuro. Mas havia um facho de luz que se originava de um poste, na rua. Destarte, dr. Eduardo Homero via com clareza os movimentos do intruso. O homem pulou o muro com jovial rapidez e deslocava-se decidido quando ouviu uma voz chamar. “Ei, você. Fique onde está.” O homem parou em posição de defesa, inclinando um pouco o corpo, procurando raciocinar de onde vinha aquela voz. Ele sabia quem era o dono da voz.

Mesmo assim, não aceitou a hipótese de ser o doutor Eduardo Homero e ficou horrorizado quando viu o homem gordo trajando terno surgir da escuridão com um pequenino revólver em riste.

“Não sou ladrão. Também não é o que o senhor está pensando. Entrei na casa errada!” – asseverou o homem. “Cale-se.” – ordenou Homero, friamente. “Caminhe para sua esquerda lentamente.” O estranho, olhando para a arma, seguiu a ordem do doutor Homero. Então, este esticou o braço e fez mira na cabeça do outro que recuou por instinto, mergulhando em outra parte escura e encontrando com algo grande e viscoso. A última imagem que o invasor viu do homem gordo que segurava a arma foi o facho de luz iluminando metade de seu rosto. Algo se moveu lentamente, batendo os dentes num ritmo assustador, e arrancou a cabeça do visitante com movimento atroz e contínuo. Era a enorme planta carnívora que havia despertado de seu sono. Os estalos de ossos se quebrando fizeram o cientista retroceder alguns passos e voltar à escuridão total. O corpo do homem balançou e caiu de joelhos no facho de luz que vinha da rua. Não havia mais cabeça. O doutor Eduardo Homero, horrorizado, ansiou por vomitar, mas conteve-se. O sangue jorrava na enorme planta carnívora que mastigava o crânio lentamente. Depois da pena capital, o enorme vegetal efetuou outra medonha investida. Desta vez deixando somente o cadáver com cintura e pernas estiradas no chão, ainda sob a luz da rua. O doutor Eduardo Homero por duas vezes, durante mastigação da planta, pensou em cometer suicídio dando um tiro na cabeça. Tinha um terço envolto no braço direito. Mas não teve coragem. Então, uma sanha obscura o acometera outra vez.

Percebera que a planta não estava saciada, afinal modificara seu processo de digestão, porque ainda tentava alcançar os restos do cadáver no chão, mas não lograva êxito. Assim, colocou a arma no bolso, arrastou os despojos para a escuridão - tendo cuidado para não ser mordido pelo experimento - e gritou o nome de sua mulher. Ela perguntou, com outro grito, ainda dentro de casa e um tanto aborrecida por saber que seu marido ainda estava lá, o que ele queria. Em resposta o doutor Eduardo Homero gritou: “Venha aqui no jardim. Tenho um presente para você” - e completou sussurrando na escuridão - “que ainda está com muita fome”. Depois, o professor ainda ensaiou, por trás de um sorriso maligno, o que iria falar com seu aluno de mestrado: “Rafael, meu caro, use a intelecção e me apresente uma ótima sugestão para ocultar esses despojos humanos que sobraram. Então, se eu concordar e usando minha influência, torná-lo-ei mestre.”

A ISCA PERFEITA



Nosso amigo e colaborador, escritor jurandir Araguaia, retorna à Câmara com um suspense perturbador. Boa leitura!


A ISCA PERFEITA


Um conto de Jurandir Araguaia


Meu sogro era um homem difícil. Nunca o agradei. No primeiro encontro encarou-me como a um credor. Reparou meticulosamente em meu ¨piercing¨ no nariz, nas roupas de couro, no cabelo que não conhecia pente ou escova. Senti suas vibrações penetrando minhas entranhas. Cada filete de alma foi revirado. No entanto, para não contrariar Anita, sua filha e minha namorada, aceitou-me ou fingiu fazê-lo.

Sempre controlava nossas saídas e encontros, isto é, quando estava presente na cidade. O namoro avançou. Nossa afeição era sincera. Não sorria nunca, mas percebi que deixou-me mais à vontade. Quando não se pode vencer um inimigo, aceite-o, creio que foi a sua conclusão. Um dia atingiu o ápice. Convidou-me a conhecer uma de suas fazendas no Mato Grosso do Sul.

Fomos no jatinho da família. Odeio aviões. Tremia-me todo, mas disfarcei. Acreditei que iríamos a uma das inúmeras fazendas de gado, mas levou-nos diretamente à fazenda de jacarés. Odeio répteis. Meu sogro sentia-se no domínio da situação. Junto a Anita, mostrou-me os vários tanques. Eram colossais. Convenceu-me a lançar nacos de carne às feras. Eu repugnava aquilo. Ele se deliciava com as bocadas:

- Veja aquele! Olhe como faz o outro! São lindos os meus bichinhos. Você não acha? – meu sorriso amarelo era a resposta.

Mal conseguia almoçar. Lembrava-me das horríveis dentadas. O prato não poderia ser outro: carne de jacaré preparada de mil formas. Comi contrariado. Anita me chutava sob a mesa a dizer com os lindos olhos castanhos – agrade o velho.

O resto do dia não foi menos constrangedor. Ele nos deixou um pouco a sós, mas aparecia de surpresa a nos flagrar entre um ou outro beijo.

- Vamos demorar muito, meu bem? – era a minha pergunta constante.

- Relaxa, dizia Anita. Tente agradar. Ele parece que está gostando de você. Os bichinhos, depois da família, são a paixão da vida dele. Demonstre respeito e tudo vai ficar bem.

Fiquei o dia inteiro sentindo-me mal. Lembrava-me dos animais fedorentos, das bocas enormes, dos dentes, da gula pelos nacos de carne e da risada horrenda do meu sogro. Olhe, dizia, que tal?

No jantar serviu vinho e mais carne de jacaré. Eu não suportava mais aquilo. Não permitiu que Anita e eu dormíssemos juntos.

- Só depois de casados! Aqui em casa, não!

Anita, talvez por conta do vinho, sentiu-se muito sonolenta, o que também aconteceu comigo. Retirou-se mais cedo alegando que o sono a vencia. Fiquei a sós com o sogro. Muito gentil, conduziu-me ao seu escritório.

- Vamos selar nossa paz com mais um gole desse vinho especial!

Ofereceu-me uma taça. Contrariado, aceitei. Fez um discurso sobre família, defender a pureza do sangue, selecionar espécies e outras coisas chatas. Sentado em uma poltrona, via-me afundar, olhos pesados. Quando dei por mim, perdi os sentidos. Despertei, horas depois, deitado de costas, com o sol batendo no meu rosto e a garganta seca. Ouvi barulhos terríveis de dentadas. Percebi que me encontrava amarrado pela cintura a uma rede de dormir e suspenso a grande altura; tanto que via a copa de algumas árvores. Notei que estava sobre um daqueles enormes tanques.

Simplesmente comecei a chorar. Lágrimas lavavam minhas faces. Meu sogro fora longe demais. Certamente daria uma desculpa esfarrapada a Anita e compraria o silêncio da polícia. Era um Coronel da região. O coração descompassado. Os músculos retesados. Temia mover-me e a rede virar para baixo, deixando-me fragilmente dependurado. Poderia cair. O primeiro grito saiu engasgado. Entre soluços, consegui berrar o nome de Anita. Apenas o eco de minha voz reverberava. Isso parecia agitar as enormes criaturas. Ouvia seu movimento nas águas e as dentadas.

- Deus, meu Deus... – era tudo que podia dizer.

Levantei a cabeça lentamente, segurando firme na rede para não virar de uma vez. Eu não confiava na firmeza da corda que me atava. Pensei em me soltar e, através da corda, arrastar-me até uma das pontas. Pude ver então que iscas, propositalmente colocadas, estimulavam ratos a roer os nós que prendiam a rede aos galhos. Apoiei minha cabeça e fechei os olhos. Comecei gritar cada vez mais alto, na tentativa vã de que alguém, em um átimo de bondade, me libertasse daquela insanidade. Enquanto isso as águas se agitavam...

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UM SALTO NA ESCURIDÃO - Henry Evaristo publica seu primeiro livro

O CELEIRO, de Henry Evaristo

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