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15.5.08

A ISCA PERFEITA



Nosso amigo e colaborador, escritor jurandir Araguaia, retorna à Câmara com um suspense perturbador. Boa leitura!


A ISCA PERFEITA


Um conto de Jurandir Araguaia


Meu sogro era um homem difícil. Nunca o agradei. No primeiro encontro encarou-me como a um credor. Reparou meticulosamente em meu ¨piercing¨ no nariz, nas roupas de couro, no cabelo que não conhecia pente ou escova. Senti suas vibrações penetrando minhas entranhas. Cada filete de alma foi revirado. No entanto, para não contrariar Anita, sua filha e minha namorada, aceitou-me ou fingiu fazê-lo.

Sempre controlava nossas saídas e encontros, isto é, quando estava presente na cidade. O namoro avançou. Nossa afeição era sincera. Não sorria nunca, mas percebi que deixou-me mais à vontade. Quando não se pode vencer um inimigo, aceite-o, creio que foi a sua conclusão. Um dia atingiu o ápice. Convidou-me a conhecer uma de suas fazendas no Mato Grosso do Sul.

Fomos no jatinho da família. Odeio aviões. Tremia-me todo, mas disfarcei. Acreditei que iríamos a uma das inúmeras fazendas de gado, mas levou-nos diretamente à fazenda de jacarés. Odeio répteis. Meu sogro sentia-se no domínio da situação. Junto a Anita, mostrou-me os vários tanques. Eram colossais. Convenceu-me a lançar nacos de carne às feras. Eu repugnava aquilo. Ele se deliciava com as bocadas:

- Veja aquele! Olhe como faz o outro! São lindos os meus bichinhos. Você não acha? – meu sorriso amarelo era a resposta.

Mal conseguia almoçar. Lembrava-me das horríveis dentadas. O prato não poderia ser outro: carne de jacaré preparada de mil formas. Comi contrariado. Anita me chutava sob a mesa a dizer com os lindos olhos castanhos – agrade o velho.

O resto do dia não foi menos constrangedor. Ele nos deixou um pouco a sós, mas aparecia de surpresa a nos flagrar entre um ou outro beijo.

- Vamos demorar muito, meu bem? – era a minha pergunta constante.

- Relaxa, dizia Anita. Tente agradar. Ele parece que está gostando de você. Os bichinhos, depois da família, são a paixão da vida dele. Demonstre respeito e tudo vai ficar bem.

Fiquei o dia inteiro sentindo-me mal. Lembrava-me dos animais fedorentos, das bocas enormes, dos dentes, da gula pelos nacos de carne e da risada horrenda do meu sogro. Olhe, dizia, que tal?

No jantar serviu vinho e mais carne de jacaré. Eu não suportava mais aquilo. Não permitiu que Anita e eu dormíssemos juntos.

- Só depois de casados! Aqui em casa, não!

Anita, talvez por conta do vinho, sentiu-se muito sonolenta, o que também aconteceu comigo. Retirou-se mais cedo alegando que o sono a vencia. Fiquei a sós com o sogro. Muito gentil, conduziu-me ao seu escritório.

- Vamos selar nossa paz com mais um gole desse vinho especial!

Ofereceu-me uma taça. Contrariado, aceitei. Fez um discurso sobre família, defender a pureza do sangue, selecionar espécies e outras coisas chatas. Sentado em uma poltrona, via-me afundar, olhos pesados. Quando dei por mim, perdi os sentidos. Despertei, horas depois, deitado de costas, com o sol batendo no meu rosto e a garganta seca. Ouvi barulhos terríveis de dentadas. Percebi que me encontrava amarrado pela cintura a uma rede de dormir e suspenso a grande altura; tanto que via a copa de algumas árvores. Notei que estava sobre um daqueles enormes tanques.

Simplesmente comecei a chorar. Lágrimas lavavam minhas faces. Meu sogro fora longe demais. Certamente daria uma desculpa esfarrapada a Anita e compraria o silêncio da polícia. Era um Coronel da região. O coração descompassado. Os músculos retesados. Temia mover-me e a rede virar para baixo, deixando-me fragilmente dependurado. Poderia cair. O primeiro grito saiu engasgado. Entre soluços, consegui berrar o nome de Anita. Apenas o eco de minha voz reverberava. Isso parecia agitar as enormes criaturas. Ouvia seu movimento nas águas e as dentadas.

- Deus, meu Deus... – era tudo que podia dizer.

Levantei a cabeça lentamente, segurando firme na rede para não virar de uma vez. Eu não confiava na firmeza da corda que me atava. Pensei em me soltar e, através da corda, arrastar-me até uma das pontas. Pude ver então que iscas, propositalmente colocadas, estimulavam ratos a roer os nós que prendiam a rede aos galhos. Apoiei minha cabeça e fechei os olhos. Comecei gritar cada vez mais alto, na tentativa vã de que alguém, em um átimo de bondade, me libertasse daquela insanidade. Enquanto isso as águas se agitavam...

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