FELIZ NATAL, MILDRED
AUTOR: ROGÉRIO SILVÉRIO DE FARIAS
 
 
Ilustração:Fotomontagem  com imagens retiradas  do site Google
FELIZ NATAL, MILDRED!
Um conto de Rogério Silvério de Farias
Somos jovens; velha é a estrada!
Frase pernambucana
É, querida  Mildred, a vida não vale realmente nada, ela é efêmera, fugaz, e  no final, Mildred, no final  só os vermes triunfam.
Somos torturados pela passagem dos anos, envelhecemos fisicamente, mas nossas almas continuam inquietas, jovens de tanto querer e sonhar.
E o amor, Mildred?  Ah, o amor!...O amor é uma vala rasa onde depositamos nossos corações  pútridos, o amor nos mata vagarosamente, como um veneno lento e de  efeitos devastadores e mortíferos.
É Natal, Mildred.  E agora eu sou um velho, apenas um velho.
O Natal pode  ser uma data terrível para um homem velho e solitário como eu. É,  minha querida Mildred, o amor e a solidão acabam enlouquecendo a mente  de qualquer um, ainda mais de um velho sonhador e louco como eu.
Eu não a tenho  mais, Mildred, pois você se foi faz algum tempo, e me deixou aqui,  com minha dor, com os achaques da velhice, na solidão fantasmagórica  dos anos sombrios.
Parece que  foi ontem quando nos conhecemos, em Olinda. Éramos turistas estrangeiros  conhecendo as belezas de Pernambuco, no Brasil. Eu e você acabamos  nos apaixonamos e por aqui ficamos.
Só que o tempo  passou, Mildred. O tempo, o maldito tempo passou, acabando com tudo,  acabando com nossos sonhos e esperanças. E veio então a velhice. Veio  a doença. E veio a morte. E a morte levou você, Mildred. Para sempre,  para sempre. Para bem longe de mim.
Recordações  que me vem à mente. De um tempo de alegria a seu lado. De carinho.  Compreensão. Um tempo que não volta mais, a não ser nos sonhos alucinados  de um ancião enlouquecido como eu.
Sou um velho  amargo que procura um sentido para a vida na morte. Um velho decrépito,  bêbado. Um velho que não agüenta mais a solidão da velhice e da  vida.
Daqui a pouco  será Natal, Mildred.  E o Natal é uma coisa horrível para quem  vive só como eu.
Começa a chover.  É uma garoa. O vento balança os salgueiros tristonhos. É quase meia-noite. 
As pessoas  estão em casa, reunidas. Mas eu, eu estou só. Um velho amargurado  desprezado por todos. Um velho ranzinza e amargurado.
Preciso sair,  Mildred. Preciso ir vê-la, como venho fazendo há anos, desde que você  se foi, Mildred.
A noite é  escura. O cemitério fica perto de casa. Levarei a lanterna. E levarei  outras coisas, também.
Ninguém me  verá. Aqui é uma cidade pequena, que fica perto de Olinda, em Pernambuco.  Foi aqui que viemos morar, depois que nos casamos em Olinda. Ainda lembro  sua frase, Mildred, sussurrada em meus ouvidos, “Eu te amo, Elliot!  Viveremos felizes para sempre, aqui, neste paraíso do Brasil!”.
Nada é para  sempre, Mildred. Nada.
Começo a tossir  enquanto caminho rumo ao cemitério. Quando se é um velho acabado como  eu, nada mais importa, Mildred. Nada.
Preciso vê-la  novamente, meu amor! Oh, Mildred! A vida tornou-se um fardo insuportável  sem a sua presença física ao meu lado.
O peso dos  anos acaba enlouquecendo. Um velho pode ser um louco fantasma vivo,  na trilha tortuosa que o leva à morte.
Este Natal  eu a reencontrarei, Mildred. Meu Papai Noel será a Morte. A Morte  Noel! Mas antes eu a verei, eu a verei fisicamente, mais uma vez,  Mildred. Eu a verei antes de morrer para este mundo insano, Mildred.
Um velho como  eu enlouquece aos poucos, na amargura de uma velhice solitária e rancorosa.  Um velho como eu abraça o cadáver putrefato de sua amada retirado  da tumba, na noite silenciosa e amarga. Um velho que antes de morrer,  abraça a morta, Mildred, um corpo já em adiantado estado de decomposição,  abraça-a como um velho necrófilo, no seu último gesto de paixão  e loucura, no seu último desejo de amor, antes de morrer de velhice.
A chuva começa  a aumentar. Começo a tossir enquanto começo a forçar o pé-de-cabra  no jazigo. Estou doente e velho, mas ainda restam-me as derradeiras  forças. E logo com a mesma ferramenta começo a abrir o túmulo. O  túmulo de minha querida Mildred, morta a mais de vinte anos.
Antes de morrer  para este mundo,eu a abraçarei novamente, o seu cadáver decomposto,  o corpo pútrido, fétido e esquelético de meu amor, de  minha  querida e inesquecível Mildred, morta a mais de duas décadas!

 
 
 
 
 


 




 
 
 
 
 







 

 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
