De Leonardo Nunes Nunes
Uma história feita entre os dias 14 de fevereiro de 2009 e 9 de março de 2009. De inspiração datada nesse mesmo quatorze de fevereiro, foi escrita com a intenção de dar uma nova versão do que é o Céu e o Inferno, e diferenciar daquilo que, ao logo do tempo, vem sendo contado. Embora não tenha sido inspiração onírica, mas enquanto desperto, soa como tal.
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Escrever sobre o céu e o inferno é escrever sobre o infinito. Escrever sobre o céu e o inferno é invadir linhas invisíveis que separam a nossa picardia realidade e o completo nada, composto por matérias ainda desconhecidas. Escrever sobre o céu e o inferno, é aventurar-se pela mente humana e encontrar coisas tão triviais quanto as que vivemos. É sentir o éter.
A idéia a ser desenvolvida surgiu, de repente, para elucidar, quem sabe, esses lugares tão místicos. Explicar como eles são, e suas políticas. Falar sobre como vivem as pessoas nesse e naquele lugar. Explanar como elas se vestem, como elas agem e como são. Na verdade, é uma tentativa de provar que é bem diferente do que as pessoas geralmente pensam, é provar que é tão igual quanto aqui e nós.
Poderia ser qualquer dia, poderia ser qualquer hora, mas as forças do cosmos preferiram que fosse, nesse período, o ato da criação. Não há como duvidar disso; são vidas imaginárias que poderá muito bem ser considerado como real, vidas que entrecruzam-se e confundem-se, sem jamais verdadeiramente tocar-se e fundir-se. Os protagonistas, portanto o Céu e o Inferno, são reais, e não menos fabulosos.
CÉU
O céu nada mais é do que uma igual realidade a qual vivemos. Existem pessoas brancas, existem pessoas negras. Pobres, ricos e aqueles da chamada classe-média. Advogados, executivos, médicos e enfermeiros. Professores que cuidam da educação das crianças, e professores particulares. Tudo na santa felicidade. E na infelicidade, também. Pois há muito roubo, seja na política seja na sociedade.
O céu é como uma cidade. Uma cidade onde vivem pessoas de todas as aparências, e não existe, necessariamente, nacionalidade. São todos irmãos n’uma única comunhão, embora haja discordância de opiniões e deuses. É Deus que rege esse lugar, mas muitas pessoas sabem que não existe um único e exclusivo Deus, mas uma convenção deles. E respeitam, e veneram aqueles que lhes foram dedicados.
A escolha por Deuses é feita no ato da chegada. É feito uma convenção, uma reunião dos mais antigos, aonde é decidido qual Deus o recém-chegado deve venerar. E essa crença é levada para toda a existência. Não existe exceção, não existe negação. Cada um que chega é incumbido a ser fiel àquele Deus para ele escolhido, sem contestação. E dificilmente alguém volta a ter contato com Eles.
Os mais antigos, os que se reúnem para a escolha do Deus a ser venerado, possuem uma barba branca de mais de três metros, de modo que seus passos quase arrastados levam, jogados ao chão, também arrastados os perfeitos fios de suas barbas. De voz onipotente, cada um representa uma qualidade a ser exercida naquele lugar; e funciona de modo hierárquico: o mais antigo deles senta na ponta, próxima do símbolo dos Deuses, e sua opinião é a mais importante; e o mais novo, na ponta oposta, distante do símbolo dos Deuses, sua opinião tem um peso um pouco menor que o primeiro. E assim sucessivamente, à direita e à esquerda. Reúnem-se ao longo de uma mesa retangular, de incontáveis metros, dentro de uma enorme sala fechada a todos e a tudo. Somente Eles têm permissão para nela entrar, e deliberar as novas chegadas.
O símbolo, que fica às costas do mais antigo, sempre que há uma reunião, explode em cores e imagens. Proporciona uma viagem astral para aqueles que lá discutem, sempre de forma comedida, sobre as novas chegadas, dando maior sabedoria, conhecimento e ferramentas para as decisões. Geralmente são levados a lugares próximos, ou ao lado, dos Deuses, isso para facilitar a decisão. Não há um tempo determinado para a tomada de decisão, depende de cada caso, de cada recém-chegado, de cada culto e de cada Deus. E sempre a decisão tomada é a melhor a ser efetuada. Os recém-chegados são obrigados, na mais completa solidão, a esperar geralmente sentados, ou algumas vezes de pé, para receber o comunicado e adentrar, de uma vez por todas, na cidade, e atravessar o abobadado portão, cercado por muros tão ou mais grandes que a própria cidade, para nunca mais de lá sair. Esperam, n’uma expectativa ainda desconhecida do que está para acontecer; esperam, só, na mais completa solidão, para refletir seus atos ditos inconseqüentes; afinal, dizem, quem lá chega é por que cometeu algum erro.
Os transgressores pagam muito caro. Não existe prisão para quem rouba, não existe qualquer tipo de edificação que concentre essa população carcerária. No entanto, não por policiais, mas por suas próprias consciências, são obrigados, sob tratamento rígido e não-apelativo, a viver por todo o tempo que naquele lugar passar, aprisionados em um espaço, sem paredes, do qual só se vê a porta de entrada, mas com a liberdade de vagar solitários em um deserto dentro de suas mentes, sempre sob o efeito auditivo de suas próprias vozes, condenados a escutá-las sempre n’um grito agudo; uma punição que independe de cada recém-chegado que pratica atos ilícitos.
A única lei a ser respeitada, a única regra, o único Mandamento: Não ofendeis os sábios Antigos. Aquele que desrespeitar tal Mandamento, sem interferência sequer divina, será jogado ao mais profundo desespero, o Lago Sem Fundo. Esse, por sua vez, fica no lugar mais distante de qualquer parte habitada dessa cidade, localizado ao pé de uma única e resistente árvore, que mais observa quem lá cai do que serve de ornamento, e logo abaixo do final dessas muralhas de incontáveis metros; e quem chega lá, jamais volta a ser visto.
As pessoas que na cidade vivem, são repletas de alegria e vazias de tristeza, embora sempre chateadas por saber que, mesmo havendo punições severas, muitos de lá ou roubam ou praticam atos ilícitos. Alimentam-se uma única vez ao dia, plantam flores, colhem frutas nos pés em suas próprias casas, são ricas não de dinheiro mas de natureza, pois todos os recursos que mais precisam, possuem. É uma bondade divina, a que eles recebem. O sorriso no rosto sempre há, independente a hora do dia ou da noite. Dormem normalmente, e acordam com a expectativa de um novo dia que surge.
Mesmo não sendo necessário trabalhar, elas interagem umas com as outras de uma forma tão natural que conseguem obter êxito em tudo. São pessoas muito inteligentes, vestem-se normalmente, falam todas as línguas possíveis e, embora de características muito particular e diferentes umas das outras, são iguais, completam-se em tudo.
A política é morosa, é falha. Não tem qualquer relação com os antigos, e nem Eles com a política. A política não tem nada de inteligência, age com vontade própria e rege a cidade de forma arbitrária e ditatorial. Há apenas uma regra, passível de pena máxima: Nunca acusar sem provas. Uma regra que, mesmo os mais injustos dos políticos, levam consigo. Mas é uma regra que facilmente pode ser quebrada, e convertida a favor desses injustos políticos, quando sendo acusados pelos próprios irmãos de terem cometido atos ilícitos.
O céu do Céu é azul, com tonalidades brancas, que podem ou não ser nuvens. Os pássaros voam livres, dentro do limite imposto pelas muralhas; as plantas crescem desimpedidas e nunca mais morrem, sempre florescem e dão frutos deliciosíssimos. Gramas de um verde tão vivo, viçosas e macias ao toque; um ar tão puro que dá prazer em respirar.
Enfim, o Céu é um lindo lugar, único e unido, mas repleto de erros e injustiça. É um lugar onde todos gostam de viver, sem jamais morrer, que seguem ideais sublimes, embora viciados e dúbios. Um lugar onde a política é, sobretudo, falha. Mas um lugar de salvação.
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INFERNO
O inferno é quase uma cópia perfeita do céu. Assim como lá, o inferno tem alguns conselheiros que decidem o destino do recém-chegado. Não é um lugar como até mesmo a Bíblia Sagrada narra, muito menos como os pobres-diabos de raízes menos desenvolvidas e pertencentes a cultos não tão consagrados pensam. Não é um lugar que cheira a enxofre, ou aquele de literatura menos eficaz em seu propósito que narra um lugar amaldiçoado. Tampouco é um lugar onde todos sofrem. Pelo contrário, é um lugar tão belo, ou mais, que o céu. Também existem pessoas negras, pessoas pobres e ricas; advogados, promotores públicos e executivos em geral; professores que educam de uma maneira eficientemente sublime. Existe, também, uma desigualdade social, como aqui. Existem aqueles que rezam tais quais os regedores de fé, e os que sequer entoam uma cantiga noturna. E existem os roubos, ladrões que, se pêgos, pagam muito caro.
É óbvio que o inferno não é como o céu, uma cidade propriamente dita, mas um aglomerado delas, células que formam o todo, como um Império, lugares onde vivem pessoas de todas as aparências, e de várias nacionalidades; cada nação é governada por um político pertencente a um cargo abaixo daquele que rege a cidade.
Elegantes, vestem-se os conselheiros. Sempre cobertos pelo melhor linho, pela melhor malha que o inferno, ou qualquer outro lugar, já produziu. São verdadeiramente ricos, possuem moradias luxuosas, chegam ao local do qual atuam com imponentes carros, carregam pasta de couro e inúmeros papéis. Dizem ainda que cada um deles vieram de um céu diferente, mas não existem provas capazes de comprovar a fidelidade de tantos boatos. Inúmeros, revezam entre si os horários para o atendimento dos recém-chegados. Cargos cobiçados, que somente os primeiros colocados de cada concurso, prestado a cada dois anos, são aprovados. Ah!, que encantador é o monumento do qual todos esses conselheiros labutam. Seu tamanho é impronunciável, capaz de ligar, contendo inúmeras alas, todos os núcleos, todas as células que compõem o inferno.
Cada recém-chegado é, imediatamente, convidado a entrar em uma enorme sala e ordenado a olhar fixamente para o lado oposto, n’uma parede da qual emana luzes, em sua maioria, tonalidades cinza, jamais cores brancas em sua pureza. Lá, o recém-chegado é submetido a uma prova bastante fácil: assegurar-se para que nunca perca a natureza pelos conselheiros imposta. Sua obrigação: jamais deixar de venerar seu deus. É-lhe prometido mil bondades, mas apenas uma ameaça: se transgredir as ordens da divindade, um pequeno deslize qualquer, é aplicado a mesma punição que qualquer outro que tenha cometido ato ilícito estará submetido.
As células, ou os Impérios, são governados por políticos há muito incorruptíveis – embora haja relatos que um ou outro tenha sido submetido ao que todos chamam, em termos coloquiais, de “desmembração” – e seguidores de um ideal que prega a justiça acima de tudo. Existe uma morosidade, assim como em todo lugar, na resolução dos processos, na criação de leis menores, mas ela é tão desconsiderável que pouco tem importância. A justiça renova-se a cada era, a cada ciclo completado, de modo que, diferente do céu, nem viciados e nem dúbios, ela é soberana e correta. Os ideais do inferno não são sublimes – muito longe disso; mas são firmes, rigorosos e sem ambiguidade alguma; é um lugar que preza a agilidade.
Bastante diferente do céu, embora provindo dos mesmos moldes, o inferno possui um único Deus chamado Lucyphér. Lucyphér, assim como o nome determina, é quem dá a luz e que ilumina os que no inferno vivem, é o supremo regedor, que faz questão de, logo após sair da reunião com os conselheiros, ver quem é o recém-chegado e ter com ele conversa, a fim de recebê-lo com todos os préstimos, dando-lhe autorização para, quantas vezes for preciso, retornar a sua presença. Para ele não existe bondade ou maldade, todos os sentimentos fundem-se e confundem-se, formando apenas o ser em que lá vive.
Os regedores de fé nada mais são do que aqueles que, dentro de suas sinagogas – dizem que, em cada célula, uma sinagoga existe; rezam mantras juntos dos fiéis, aqueles que veneram seu único deus. Vestem-se com túnicas de uma matiz cinza, e uma roupa que tapa as partes íntimas. Caminham ora orando, ora monologando sozinhos e em voz baixa, de um lado para o outro; são vistos ajoelhados conclamando a vitória de seu deus, e jamais se alimentando, senão espiritualmente. É um jejum ininterrupto. Acreditam que, agindo dessa forma, estariam no caminho mais correto a ser seguido. Fogem, outrossim, de inimigos da alma e do corpo. Guardam consigo que, supostamente, possuem o poder de transferir-se, principalmente quando concentrados, junto de Lucyphér, no plano astral; no entanto, isso é questionável.
A ameaça: para aqueles que cometem atos ilícitos, a punição é severa. A punição é igual para
aqueles que tornam-se gentis, cultuando qualquer outro deus. Aquele que ou cometer ato ilícito ou tornar-se gentil será imediatamente amarrado pelos pulsos e pelos tornozelos, surgirá, em instantes, logo a sua frente um carrasco, todo de preto, coberto com cintas douradas, e um capuz da mesma cor do manto a cobrir-lhe a face – talvez para que ninguém possa ver seu rosto, pois, dizem, revela o completo nada; carregando uma adaga na destra e na sinistra uma corda para ser colocada no pescoço do transgressor. O transgressor será deixado ali, na mais completa solidão durante a noite, e durante o dia, motivo de escárnio dos transeuntes, pelo tempo de dois dias seguidos, sempre com seu carrasco ao lado. Ao término desse período, ainda preso pelos pulsos e tornozelos, é submetido a um processo de dor e agressão física, moral e espiritual. Primeiramente é-lhe colocado a corda no pescoço, puxada o suficiente para deixá-lo com a cabeça erguida, e em seguida é, paulatinamente, cravada a adaga pouco acima da amarra nos tornozelos, subindo a cada badalar do sino que é tocado nessas ocasiões, rasgando sua pele em pleno público. Uma tortura, inclusive, psicológica. Depois disso, depois de tirado as amarras e a corda do pescoço, praticamente enfraquecido, é colocado em um calabouço abaixo cinco andares do nível do solo, n’um negrume completo, sem ar para respirar ou comida para se alimentar. Existe apenas uma coisa a ser feita para que possa retornar ao convívio daqueles iguais a si: pedir perdão. E é feito sob o pé do deus que lhe foi ordenado cultuar, o único ali existente. (Poucos conseguiram essa proeza) Tudo isso é feito para inibir os atos ilícitos e para que não haja transgressão do único Mandamento de Fé.
Afora a tortura em prol da inibição de atos ilícitos, a vida no inferno não é lá de toda ruim. A terra que é cultivada simplesmente é a melhor do que a do céu. Os frutos possuem um sabor um pouco mais apurado, e as flores, um perfume mais gostoso. As árvores têm um verde mais rico, e a grama nunca é mal-tratada.
Enfim, o inferno não é menos belo que o céu, é, na verdade, mais rigoroso. A diferença está nos detalhes; no céu, na água um pouco mais viva, e no ar um pouco mais puro. Pode até não ser único ou unido, como é o céu, mas é coberto de acertos e justiça. As pessoas também gostam de lá viver, e também não morrem, e seguem os ideais já citados, sempre renovados. A política funciona. No entanto, ainda com tanta agilidade e rapidez, um lugar burocrático. Um lugar que usa de papéis ao invés de qualquer outro meio que porventura possa existir. Cheio de problemas, minimizados é verdade, mas problemas insolucionáveis. Um lugar, em sua origem, igual ao céu, que também é igual à Terra.
Escrever sobre o céu e o inferno é transcender a vidas. Escrever sobre o céu e o inferno é sentir o corpo atravessar as barreiras do insólito, é dar-se em troca do conhecimento. Escrever sobre o céu e o inferno é entrever o nada, e criar a partir dele. Escrever sobre o céu e o inferno é, acima de tudo, iluminar o subconsciente, lá no fundo de nossa mente. É ir de encontro ao éter, e completá-lo.
Uma ideia que deve ser explanada sem medo de obter as informações localizadas no recôndito de nossa ainda desconhecida mente e sem submeter-se à inércia provocada pelo aparente conhecimento. É necessário reconhecer que nada sabemos. Falar que o céu e o inferno são, bem da verdade, extensões da Terra; um mais organizado e unido, porém muito burocrático, e o outro, nada unido, mas contendo uma burocracia bem menor. É provar que é tão igual quanto aqui e quanto nós.
Não há como duvidar disso. Vidas imaginárias capazes de tornarem-se reais, só pelo puro fato de existirem verdadeiramente. Paralelas e confusas, andam lado a lado sem, contudo, tocarem-se ou fundirem-se. E o fabuloso é saber que os protagonistas, o Céu e o Inferno, atuam de forma sublime nessa concepção teatral que é a vida.
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