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11.10.09

MEU MUNDO



MEU MUNDO

Henry Evaristo


Acho que estou anestesiado em minha confusão

Preso num caleidoscópio de fúrias;

Paixões;

Sabores amargos;

De fragrâncias graves, perigosas, devastadoras.

Algo que rodopia como um tornado me levando em seu centro para onde ele se esconde;
Nos ermos do firmamento;
Nos confins do universo;
No mundo improvável onde residem os arco-íris, arrastado por centenas e centenas de sonhos fantásticos.


Um dia eu tive um mundo onírico. E em suas cores feéricas eu residia.

Mas cinzas o cobriram há muito e hoje já não mais saltam por lá as ninfas, nem os unicórnios.

São apenas dragões horrendos que se escondem por trás de suas encostas;

E o sopro do vento traz, no lugar das melodias primaveris de outrora, um odor ominoso de frutas em decomposição.

Ah, meu mundo! Que fizeram de ti? Pra onde te levaram? Quem são estes que agora vagam por entre tuas entranhas intumescidas?

Por onde andam aquelas luzes que eu buscava em minha infância, quando este mundo terrestre se tornava insuportável?

E agora, para onde vou, já que não tenho mais teu acalanto a me guiar pelas trevas?

Lentamente me foram roubando as cores da vida. E agora só vejo diante de mim o negrume de uma noite eterna e profunda que parece me espiar como um leão faminto na savana.

Se extinguirá esta perdição?

Hei de encontrar novamente o caminho para meu velho mundo,
onde nunca precisei dormir de olhos abertos?

O LUGAR SOLITÁRIO

O LUGAR SOLITÁRIO

Henry Evaristo

Existe um lugar que é diferente de todos nesta terra; não direi o seu nome nem sua localização pois o conhecimento do homem comum jamais deverá chegar em suas paragens. De qualquer forma, também homem nenhum, habitante deste planeta, teria a possibilidade de apreender as particularidades deste lugar, ou suas implicações na vida dos mortais, pois a sua concepção foge ao mais elevado paradigma que por ventura já se formou em meio a qualquer uma das sociedades em qualquer era que seja.

Posso dizer, no entanto, que este lugar aproxima-se de um grande mar de águas escuras e profundas e que seu último ponto de contato com a terra estende-se da superfície do continente projetando-se para as águas como o braço de um deus titânico recoberto por uma vegetação tão densa que é impossível se vislumbrar a areia prateada que lhe corre por baixo.

Não há conhecimento de algum homem privilegiado que por lá tenha estado e que pudesse ter vagado por entre as cadeias de colinas de milhões de anos. Elas não são muitas, visto que a quase totalidade da região é, e sempre foi, absolutamente desértica. Dizem que Lovecraft, o escritor, andou por seus campos, morros e pradarias, e que um dia, descendo até a praia, bebeu das águas negras e amargas de seu mar profundo; mas é sabido que este mesmo homem, que tanto fez pela cultura do insólito nas artes humanas, era também um contumaz sonhador.

Neste lugar ventos terríveis sopram do horizonte brumoso e atingem a costa com violência arqueando e fazendo estalar os caules dos milhares de eucaliptos que recobrem toda a praia. Também este mesmo vento espalha por toda parte um cheiro forte de alguma matéria orgânica em decomposição que está constantemente perdida do alcance dos olhos mas bem mais próxima do que se poderia desejar das sensações aziagas que podem percorrer o corpo atravessando-o em direção à alma.

Partindo do ponto exato onde a água toca a areia pela última vez, traçando-se uma linha reta rumo ao interior do continente, alcança-se uma floresta estranha e agônica. Milhares de anos sob densas condições climáticas com a ausência total de chuvas a transformaram numa faixa de terra recoberta por uma vegetação agressiva e espinhenta que impossibilita qualquer esperança de avanço maior que um ou dois metros. Não há vida animal no interior desta floresta e as plantas e árvores nela contidas são de um tipo inexistente em qualquer outro lugar à exceção dos bandos de eucaliptos, muito embora incomuns, que brotam antes de seu início, ainda na faixa limítrofe entre a água e a terra.

O clima é quente e úmido. A temperatura nunca varia pois não existem estações do ano. Em nenhum dia sequer pode-se sentir algum tipo de alívio para os 45 graus que assolam mesmo sob as sombras das maiores árvores e a luminosidade solar é tão agressiva que nenhum olho normal a poderia suportar por horas seguidas sem o auxílio de lentes especiais. Neste lugar tem-se a nítida impressão de que se pode muito bem estar mais próximo do sol do que em qualquer outro do planeta.

Para além da floresta selvagem, avançando-se num vôo livre através do continente e navegando sob as nuvens de um céu prenhe de tormentas que nunca caem, pode-se chegar a uma clareira em meio a árvores mortas e petrificadas. Há um abismo imensurável ali, meio encoberto pela vegetação rasteira que, chegando às suas bordas, avança adiante se projetando no espaço e oscilando paredão abaixo até desaparecer na escuridão das profundezas. Lá eu já estive!

E já estive em todo este lugar podendo, aliás, afirmar-lhes que faço parte de sua aspereza e que parte dele sou eu. É só assim que posso agora descrevê-lo para suas curiosidades.

Ali eu estive e não estive sozinho. Acompanharam-me algumas valorosas mentes brilhantes; partes integrantes de mim mesmo e unos com minhas ideologias. Eram intelectos honrados antes de perderem a batalha de suas vidas e da vergonhosa destituição de seus cargos primevos. Depois, acostumados que estavam com a vida em patente, e mesmo encobertos por uma humilhante e forçosa humildade, continuaram exigindo que se-lhes chamassem generais.

Atravessamos juntos a escuridão do abismo e alcançamos uma outra superfície terrestre chamejante e incadescente. Era volúvel e macilenta e não permitia que aquele que fosse uma vez postado em seu seio pudesse sair de qualquer forma. E então houve gritos de fúria e dor quando nossa turba descobriu que ali estaria estagnada e impossibilitada pelos séculos dos séculos.

Porém, o passar dos tempos trouxe o conhecimento da obra; e o conhecimento trouxe a iluminação e esta nos proporcionou vislumbres da heterogeneidade local escondida sob um manto enganoso de perfeita unicidade natural. Assim conseguimos ver os degraus por onde logramos escalar de volta até as bordas do antigo precipício aproveitando-nos do erro divinal. Lá nos cegou portentosa luz esbranquiçada e ficamos estupefatos diante de nossas próprias limitações no ambiente. Já nada podíamos realizar de nossos antigos dons mas nos contentamos por estarmos livres naquele momento mesmo que incompletos. Novos séculos viriam e novas luzes nos apontariam novos caminhos a seguir.

Foi assim que eu, outrora lançado no abismo, consegui dele saltar junto com os convivas que lutavam por minha causa. E assim, destituídos de tudo, nos lançamos ao mundo dos homens tentando nos afastar o máximo possível do local de nossa masmorra. Passamos à floresta, avançamos sobre as colinas abandonadas, vencemo-las e ganhando o mar nadamos até águas humanas.

Nestes dias em que escrevo há milhares de anos o lugar solitário assim permanece. Quanto a mim, digo que vago por esta terra de homens ansiando ardentemente pela hora em que ouvirei as trombetas anunciando o meu advento e verei minhas cores assaltando o horizonte. Não posso, no entanto, afirmar que o triste lugar não estará lá, mergulhado em sua solidão, me esperando, e aos meus, novamente por ocasião de nosso fracasso.

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