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3.5.08

BREVE NOTA A RESPEITO DE SATANÁS


Fonte: material extraído do site http://www.skepdic.com - autor desconhecido.


O mal personificado. Muitos seguidores da Biblia consideram Satanás um ser real, um espirito criado por Deus. Satanás e os espiritos que o seguiram rebelaram-se contra Deus. Foram expulsos do Céu pelo seu Criador. Teólogos podem perguntar-se porque é que o Todo Poderoso não aniquilou esses "anjos caídos", como fez com outras criações suas que falharam o caminho da rectidão (salvando Noé e a sua familia). Satanás foi autorizado a estabelecer o seu reino nos Infernos e a enviar demónios à terra para procurar convertidos. O mundo demoniaco parece ter sido permitido para um único fim: tentar afastar os humanos de Deus. Porque é que ele permitia isso a Satanás é explicado pelo Livro de Job. A história de Job é interpretada de diferentes modos pelos teólogos mas a minha leitura é que ninguem sabe porque Deus deixa Satanás viver e atormentar-nos. Deus é Deus e pode fazer o que quiser. Não temos de nos interrogar, fazer ou morrer.


Satanás, sendo um espirito, não é macho nem femea. Contudo, como o seu Criador, é geralmente referido como sendo um ser masculino. Muitos acreditam que Satanás, ou o Diabo como tambem é chamado, pode "possuir" humanos. Possessão é a invasão do corpo pelo diabo. A Igreja Católica ainda realiza exorcismos naqueles considerados como possuidos. Diz-se que Jesus espantou demónios, isto é, praticou exorcismos, e a Igreja considera que recebeu esse poder de Jesus. Ao longo dos séculos, muitas pessoas consideraram certas doenças mentais e físicas como provas de possessão.


Mais frequente que a possessão, contudo, foi a acusação de estar em consórcio com o diabo. Afirma-se que Satanás tem muitos poderes, entre os quais o de se manifestar com forma humana ou animal. A relação tem sido registada como puramente fisica e particularmente sexual. Na maior parte da história da Cristandade existem relatos de Satanás tendo sexo com humanos, quer como incubus (diabo macho) ou succubus (diabo femea). As bruxas e feiticeiros foram considerados frutos dessas uniões. São considerados especialmente perniciosos porque herdaram alguns dos poderes do diabo.


De acordo com Carl Sagan, relatos de relações sexuais diabólicas são fenómenos culturais comuns:


Paralelos aos incubi incluem os Arabes dhinn, os Gregos sátiros, os Hindus bhuts, os Samoenses hotua poro, os Celticos dusii....[Sagan, p. 124]


Contudo, como criança ensinado no catecismo, histórias de freiras violadas por incubi vestidos de padres não constavam dos livros. O Diabo estava aqui para nos tentar, pura e simplesmente. Não era para ter relações ou fazer experiências reprodutivas. Com certeza que a principal atracção era sexual. Ele gastava muito tempo usando raparigas para tentar os rapazes a terem pensamentos impuros. Invadia o nosso espirito durante a adolescência, plantando aí desejos de experiências sexuais demasiado pecaminosas para serem mencionadas, muito menos praticadas. Para ser honesto, penso que as raparigas foram ensinadas que os rapazes tentariam tudo para as levar até "ao fim". Mas não me espantaria que elas tenham sido ensinadas que são elas as tentadoras e que são elas que teem de se afastar dos rapazes com os seus encantos de femeas. De qualquer modo eramos ensinados a rezar constantemente, implorando a intercessão dos santos e da Mãe de Deus, que nos dariam protecção contra as investidas de Satanás. Ocorreu a muitos observadores que o medo de Satanás se parece muito com o medo da nossa própria sexualidade.
Apesar de toda a instrucção que nos deram sobre o Mal, não me lembro de ter ouvido falar do Papa Inocêncio VIII e o inicio da Inquisição e sequente perseguição de bruxas e heréticos. O Papa proclamou numa bula que os "anjos maus" estavam a ter sexo com muitos humanos, homens e mulheres. Não era o primeiro a fazer tal afirmação. Outros, como São Tomás de Aquino tinham explorado o mesmo campo em pormenor. Ele lembra-nos que uma vez que o Diabo não é humano, não pode produzir semente humana. Portanto, tem de se transformar em mulher, seduzir um homem, guardar a sua semente, transformar-se em homem, seduzir uma mulher e transferir a semente. Algo do diabo é capturado pela semente pelo caminho, pelo que o fruto dessa união não é normal. Aparentemente levou muito tempo até Satanás perceber que se queria controlar o mundo, a melhor maneira era copular com humanos. Invadir os nossos corpos seria mais eficiente que invadir as nossas mentes. Mas o Papa e outros homens piedosos engendraram um plano para exterminar a semente diabólica: torturar e queimar todos eles! Lutariam o fogo com o fogo! O Diabo não levaria a melhor. De facto, o comportamento sádico e monstruoso dos santos inquisidores quase leva um céptico a acreditar em Satanás. Não lhe falatava nada de diabólico.


Um dos mais interessantes aspectos da satanologia é o tema de humanos fazendo pactos com o diabo. A lenda de Fausto é o caso mais conhecido: em troca da alma, Satanás dá saúde, poder, tudo, durante um tempo específico. Na maioria das versões Fausto engana o Diabo e evita o pagamento. No original, o Diabo mutila e mata Fausto no fim do contrato. O cérebro são espalhados pelas paredes, os olhos e dentes jazem no chão e o corpo numa masmorra.[Smith, p. 269]


Hoje em dia ainda há os que acreditam que Satanás é um ser real, mas não ouvimos muitas histórias de incubi e succubi. O mais parecido que temos são histórias de raptos por extraterrestres. Felizmente, para os raptados com histórias de experiências sexuais--o diabo sendo substituido por ETs do espaço--não há Igreja para perseguir, torturar ou exterminá-los. Pelo contrário, há um mercado florescente dessas histórias e os orgãos de comunicação prontos a publicá-las. Infelizmente, um resto dos inquisidores continua entre nós. A unica coisa que parecem ter em comum, para lá de gostarem de torturar e matar os outros, é o amor pelos uniformes: militares, policiais, judiciais ou clericais. Mas isto é uma fraca ligação pois muitos que gostam de uniformes não se envolvem em torturas ou assassínios. O uniforme para os inquisidores de todas as épocas parece pouco mais que camuflagem ou uma desculpa para apresentar ao mundo.


É interessante notar que a maioria dos assassinos e torturadores sentem necessidade de se apresentar como estando a fazer algo de bom quando cometem os seus horrores. O que conduz o terrorrismo ou as limpezas étnicas hoje em dia, é o mesmo que conduzia os pios inquisidores. O seu comportamento faz-nos pensar se afinal Satanás não existe mesmo, pelo menos nas almas destas boas pessoas lutando por nobres causas.


De uma perspectiva filosófica, a crença universal em demónios baseia-se na necessidade de uma explicação para uma enorme quantidade de mal fisico e moral que nos acompanha ao longo da história. Penso tambem que os demónios servem de desculpa para as nossas próprias acções e mitigam o nosso sentido de responsabilidade sobre o mal que fazemos. Psicologicamente, os demónios podem ser uma projecção de nós mesmos, a pior parte da nossa natureza ou a mais temida. De uma perspectiva literária, os demónios teem de existir. Se não, teríamos de os inventar. Parecem essenciais para as nossas histórias. Quase mais que a sua contrapartida boa.
Quando o poder da Igreja diminuiu, tambem o poder de Satanás. Não é por acaso que este teve o pico do seu poder na mesma altura em que a Igreja tinha o seu, durante o século 13. Durante a Idade Média, ao Diabo foi atribuida a construção da muralha de Adriano, que separa a Escócia da Inglaterra, a construção de circulos megalíticos, de pontes em que cobrava a alma da primeira pessoa que lá passasse, etc. Satanás podia realizar magias, mas devemos recordar que a religião católica é basicamente uma religião de magias, de sacramentos que nos protegem de Satanás e que transformam o pão e o vinho em Cristo, de milagres que contradizem a ordem natural, a promessa de juventude eterna e de poderes maravilhosos. A Ordem Satanica foi uma criação da Igreja, necessária para estabelecer o seu poder no mundo. Heréticos, bruxas e feiticeiros eram uma ameaça ao dominio do mundo pela Igreja. Tinham de ser erradicados. Enquanto os inimigos da Igreja cresciam e se tornavam mais poderosos, tambem o reino de terror cresceu e o poder da Igreja de estabeleceu mais firmemente.


Pelo século 18, na Europa, a queima de bruxas e feiticeiros tinha cessado. Hoje, a maior parte do mundo cristão considera primitivo e bárbaro que alguem seja perseguido ou morto por ser acusado de comungar com Satanás. Mesmo os que fazem mal em nome de Satanás são perseguidos pelo mal que fazem e não pela sua associação com o diabo.


Se o desenvolvimento da ciência moderna tem a ver com a queda da Igreja Católica da sua posição de influência na cultura ocidental, então a ciência deve ter crédito pelo exorcismo de Satanás da consciência ocidental. Claro que o Diabo não está morto mas uma vez que recebe os seus poderes de Deus, e como o poder de Deus diminui, tambem os de Satanás. Um dia, talvez, Deus e Satanás tornar-se-ão estranhos impotentes para a imaginação humana. Mas não contem com isso. Muitos teístas acreditam que os males actuais se devem à influência de Satanás e ao decréscimo da influência religiosa. E são muitos, como sabem. Se conseguem os seus objectivos ficaremos a rezar mais e a trabalhar contra as tentações do diabo. Outros, pensam que devemos temer mais destas pessoas piedosas do que do Diabo ou dos seus admiradores. Alguns chegam a pensar que os que defendem as rezas nas escolas são diabos disfarçados. Não penso isso, pois quando os filhos de Deus matam pessoas com bombas nas clinicas que praticam abortos, não necessitamos de Satanás. De facto, se Satanás e os seus parceiros voltassem à terra veriam que os melhores trabalhos para os diabos já estavam preenchidos.


Finalmente, existem os modernos satanistas que encontram poder na magia, e especialmente em qualquer coisa anti-Cristã.Obteem a sua inspiração nas grandes obras de imaginação em arte, literatura criados principalmente por cristãos nas suas guerras contra os seus inimigos, mas tambem por cultos pré-cristãos como o culto egípcio de Set, e ocultistas não- Cristãos como Aleister Crowley e Anton LaVey. Os satanistas de hoje foram acusados, por Cristãos, do assassínio ritual de crianças, mutilação e sacrificios de animais, enviando mensagens subliminares, causando a decadência da moral e da civilização tal como a conhecemos. Contudo, eles negam tal. As provas não são fortes de que os satanistas sejam piores ou mais poderosos do que os seus inimigos afirmam. Há mais provas da força e maldade dos piedosos. Vejam as caças recentes contra infantários e pais de crianças. As provas são fortes de que estes pios frequentemente e injustamente acusaram muitos de abuso por rituais satanicos de crianças. E foram ajudados nessa caça por devotados terapistas e pios policias e acusadores.

SILVIA DE MONRABETH

O mestre da literatura fantástica brasileira, Rogério Silvério de farias, retorna à Câmara dos Tormentos com um envolvente conto de fantasia que segue a linha literária dos grandes mestres do gênero. Boa leitura!





SILVIA DE MONRABETH



Conto de Rogério Silvério de Farias


As névoas encantadas dos sonhos levaram minha alma solitária por bosques sombrios, por sobre penedos de colinas sinistras, cobertas de musgos putrefatos e flores fétidas e mortas, além, muito além das Terras Lendárias, regiões que somente aos heróis, loucos e poetas é concedida pelos deuses primevos a entrada.


Minha alma solitária virou como que uma pluma levada pelos ventos oníricos, e naquela fria noite de inverno, no velho apartamento da cidadezinha do Sul, aos poucos ia ficando para trás todo tédio, monotonia e tristeza de um mundo onde, na vigília, eu vegetava entre sofrimentos, mediocridades, tristezas e ramerrões sem sentido ou lógica alguma.


Lá, nas Terras Lendárias, eu não era mais eu, mas sim o jovem guerreiro de cabelos loiros e encaracolados, Thorlantarac, cujos olhos era mais azuis que todos os céus de verão ou primavera da eternidade. E, nômade como o vento, Thorlantarac cavalgava e trotava livre por desertos e florestas misteriosas. E além de guerreiro e caçador de bruxos e demônios da noite que infestavam as Terras Lendárias, era poeta e cantava antiga baladas que falavam de amores perdidos.


Seu nome era respeitado em Ukrith, a cidade das opalas resplandescentes, em Sharnibar, a cidade das papoulas rubras, e Cintradismônia, a cidade dos bravos, reinos além das lúgubres montanhas de Sassandriminir, entre Tukrith e Berbeltrinía.


Thorlantarac, o guerreiro, empunhava como arma sua alabarda, cuja lâmina fora forjada nas chamas de sua terra natal, a sombria Elenkótria, situada nas regiões dos pântanos pútridos e fumegantes de Yurm Ahul Kondraath. Thorlantarac tornara-se uma lenda viva com sua alabarda de lâmina cintilante. Por muitas terras ele vagou, antes de encontrar a bela Silvia de Monrabeth, que a encantou com sua flauta mirífica. Silvia, não da raça dos guerreiros, mas da raça antiga das dríades e ninfas metamorfoseantes do bosque de árvores altas de Saartrinberg.


Por sete noites ele amou a bela Silvia de Monrabeth. Amou a música da flauta mágica de Silvia. Amou Monrabeth, a cidade em ruínas na clareira do bosque, maravilha ímpar e antiga das Terras Lendárias. E ele beijou a dríade de Monrabeth sob a lua antiga das Terras Lendárias. E ele a carregou em seu colo, nua, e depois galopou com ela sobre pradarias nas manhãs de primavera, no lombo de um unicórnio azul e manso.


Certa noite, quando Silvia de Monrabeth buscou entre as ruínas da cidade o cristal de Untropary, o deus do amor que concedia a seus devotos o prazer místico das almas gêmeas, uma víbora verde, saída das sombras dos destroços de um altar, picou-a no calcanhar, causando na bela Silvia a cegueira eterna e a loucura perpétua.


Quando Thorlantarac soube do ocorrido, chorou por vinte noites consecutivas, pois a amada agora era como um espectro vivo nas ruínas de Monrabeth, tocando com sua flauta uma outra música, a música triste da loucura e da escuridão do Inferno.


Desde então Thorlantarac foi desprezado por Silvia, que não o reconhecia mais, afundada na cegueira e loucura.


Quase enlouquecendo também, Thorlantarac foi embora numa tarde chuvosa. O céu chorava com Thorlantarac.


Thorlantarac foi embora antes de acordar e voltar a ser este que vos escreve estas linhas. Não sem antes beijar os lábios gélidos da amada, que completamente louca e cega, tornou-se um espectro vivo entre as ruínas grotescas de Monrabeth, a esquecida. Mais tarde, Silvia dos olhos verdes e da flauta louca morreria horrivelmente, afundada nas areias movediças dos pântanos adjacentes de Monrabeth, a cidade esquecida e em ruínas das feéricas Terras Lendárias, que só são acessíveis àqueles que dormem e sonham com mundos mágicos.


FIM

CONTO ESTRANHO

CONTO ESTRANHO



De Luciano Barreto



O homem falava em voz baixa, cansada.

— Deus do céu. Estou amofinado neste quarto não sei por quanto tempo. Acho que vou ficar maluco. Um cheiro horrível, fezes e urina misturadas a suor e mofo, exala dessa escuridão que estou. Já medi o cubículo. Sem intenção, mas já. Não caibo deitado nele. Ou inclino meu dorso ou levanto minhas pernas e coloco-as na parede. Ínfimo, o tamanho. Mas ainda estou vivo. Sei que posso sair dessa. Caso tenha sorte consigo sair dessa. A fome apossou-se de mim há algum tempo. Ando comendo o reboco da parede. Ele já está caindo mesmo. Então é só encostar a mão e pegar os pedaços do chão úmido. Não é lá dos piores. Tive um cachorro que comia os rebocos do canil. Contudo eu sempre lhe servia a ração no horário o qual podia. Para matar minha sede, urino na mão – de pouco a pouco – e bebo. Não consigo sequer falar direito. Quando me enfurnaram aqui – não lembro como aconteceu – eu já estava fraco demais para gritar.

— Ei. Está me ouvindo?

“Seria alucinação ou estou ouvindo uma voz?” – pensou o homem jogado dentro daquela escuridão.

— Oi. – ele falou fracamente.

— Você morreu de quê? – perguntou uma voz vigorosa.

— Morri? Estou quase morrendo. Mas ainda estou vivo.

— Deixe de ser palhaço, cara. Eu morri transando com uma prostituta. Tomei um comprimido que era um poderoso vaso-dilatador e meu coração não agüentou. Acho que minha esposa ficou decepcionada. Você está aqui há quanto tempo?

— Não sei.

— Eu peguei a pena de três vidas. Daqui para frente, por três vezes quando nascer já o farei morto. Fiquei sabendo que é horrível, mas pelo menos tenho comida e bebida aqui na minha cela. Que você fazia antes de morrer?

— Rapaz... não estou morto. Mas eu – antes de estar aqui – era vendedor. Vendia remédios. Nunca fiz mal a ninguém!

— Puxa... deve ter alguma coisa aí que você não está se lembrando. Porque... creio que a comida e a bebida irão demorar a chegar a você. Estou saboreando um guisado de frango. Tive informações sobre você.

— Meu Deus do céu... – gritou o homem. — Não fala isso cara. Eu preciso comer e beber algo urgente. Eu matei um homem uma vez... era o amante de minha mulher.

— Agora sim. – falou o outro lentamente. — Mas tenha calma. Relaxe. Tenho duas notícias para você. Uma boa e outra ruim. Qual você quer escutar primeiro?

— Manda a boa, primeiro.

— Você já morreu. Acredite em mim. Todos, que aqui estão, já morreram.

— Talvez seja verdade. E a ruim?

— Você vai ficar sofrendo de fome e sede por toda a eternidade. Para os que matam, a pena é essa. Sinto muito.
O homem – encerrado na masmorra - arregalou os olhos de horror, vincou os lábios ressequidos e berrou agitado, usando as últimas forças.

— Não. Não. Não. Seu mentiroso. Dê-me um frango assado e uma jarra de suco de laranja. Dê-me! Dê-me!

A CASA DAS ALMAS

A CASA DAS ALMAS

Por Luiz Poleto



- Para Leonardo Nunes Nunes, Paulo Soriano e Henry Evaristo.


Ninguém sabe ao certo quando ela foi construída, mas todos sabem que foi desativada sob estranhas circunstâncias até hoje não explicadas de forma convincente. Mas, independente disso, lá está ela, sozinha em meio ao campo, com apenas uma estreita estrada de terra, que no passado era o único caminho em meio ao ralo matagal que levava até o portão principal da Igreja de Tampadas.

Tampadas é o nome do pequeno vilarejo localizado no interior do país; uma pequena cidade que ainda não tem luz elétrica, e quase não tem população também – muitos foram embora após o fechamento da igreja; e os que ainda vivem por lá, não chegam perto da pequena igreja de ar sombrio e desolado.

Embora a população local evite a igreja, o aviso de não aproximação faz parte da tradição oral daquele povo, e os forasteiros que porventura passam por ali não tem conhecimento da história daquela igreja – muitos nem ao menos tomam conhecimento de que há uma igreja. Dizem que os que por ali se aventuraram nunca mais foram vistos.

Um dia, um desses viajantes chegou até o pequeno vilarejo caminhando. Carregava apenas uma mochila de viagem e uma máquina fotográfica pendurada no pescoço. Chegou até o único bar existente, bebeu um refrigerante com tamanha sede que parecia que não bebia nada há dias; quando terminou, puxou conversa com algumas pessoas que estavam por ali, fazendo perguntas sobre o vilarejo, modo de vida, e outras coisas sem muita relevância. Depois de ouvir as respostas, disse que estava de férias, e estava fazendo um passeio pelo Brasil, visitando apenas as pequenas cidades e os vilarejos do interior, tirando fotos e escrevendo um diário.Após duas ou três horas de conversa e muitas fotos, pagou a bebida e saiu. Quando estava na estrada de saída do vilarejo, viu uma estreita estrada de terra, já coberta pelo mato alto que crescia à sua volta e quase escondia sua entrada. Sem ninguém por perto, o estranho resolveu percorrer aquela estrada, curioso para saber aonde ela iria dar, já que as casas e o pequeno comércio do vilarejo encontravam-se concentrados na extremidade sul. Com muita dificuldade, caminhou por cerca de dez minutos, até sair em um campo aberto, cercado por algumas árvores que pareciam tão velhas quanto a própria humanidade. Algumas com troncos retorcidos, outras com troncos que pareciam terem sido queimados; mas todas as árvores tinham em comum o fato de não terem folhas.

Observando ao redor, pôde perceber, a alguns metros à frente da estrada, uma pilastra de pedra com quatro ou cinco metros de altura que servia de pedestal a um anjo de mármore que um dia fora branco, mas agora estava tomado pelo terra e pelas marcas da chuva e do tempo. Havia algo na expressão do anjo - que olhava para cima - que o deixou triste e com um sentimento angustiante de solidão. Chegou a pensar que o anjo começou a chorar quando olhou para ele.Alguns metros adiante viu uma igreja, com um aspecto sombrio e de abandono. Suas paredes, de pedra, já mostravam o quanto o tempo pode ser cruel; a entrada principal consistia-se de uma porta dupla de madeira pintada de azul, já descascada e bem deteriorada. Duas pequenas janelas pairavam como olhos atentos em cada lado da porta. Estendendo-se verticalmente acima do telhado havia uma torre, aonde se podia ver o grande sino de bronze totalmente imóvel, como se estivesse em seu repouso eterno. Chegando perto, percebeu que o portão principal estava fechado, e não parecia haver ninguém por perto. Ao forçar um pouco a porta, esta se abriu, dando passagem para o salão principal.

A única iluminação dentro da igreja era proveniente dos raios de sol que passavam pelas pequenas janelas – sem vidros – nas paredes laterais. Marcas de água que há muito correram por ali indicavam um problema no telhado, e tornavam as paredes um pouco melancólicas. Os bancos de madeira já estavam quase ou totalmente consumidos pelos cupins. Encantado com a beleza sinistra do lugar, o estranho tirou diversas fotos, e dirigiu-se ao que parecia ser a sacristia, no final de um dos corredores.

Quando o estranho passou pela porta, um ar de curiosidade e espanto tomou conta do seu outrora estado de empolgação. A sala, que devia ter por volta de quinze metros quadrados, tinha todas as quatro paredes do recinto cobertas por fotografias antigas, todas com um tom de sépia, emolduradas em belas molduras – todas feitas artesanalmente – e embora aparentassem estar ali há muito tempo, ainda mantinham um bom estado de conservação. Do chão ao teto, tudo estava coberto por fotografias. Todas as fotos eram de famílias, embora não houvesse qualquer texto que identificasse as fotos.

Por vários minutos o estranho ficou ali, olhando as fotos, apreciando aquele ar nostálgico, admirando aquela estranha tristeza implícita no rosto das pessoas – que, curiosamente, não sorriam nas fotos. Algumas fotos aparentavam ser da década de 20, outras de 30, mas certamente nenhuma delas era de depois da década de 40.

Depois de olhar rapidamente as várias fotografias, acabou parando em uma – que talvez tenha sido escolhida aleatoriamente, ou apenas tenha chamado a sua atenção por algum motivo qualquer. Na foto, uma família de nove pessoas posava de forma quase mecânica. Como que estudando a foto, o estranho ficou ali, por vários minutos, analisando cada detalhe da foto. Com os olhos cheios d’água e um sentimento de vazio, proferiu um palavrão ao mesmo tempo que saltava para trás, quando percebeu que uma das crianças da foto começou a chorar. Ele coçou os olhos, achando estar vendo coisas, e sacudiu a cabeça, mas percebeu que não só a criança chorava como as outras pessoas da família gritavam em extrema agonia, com a dor estampada em seus rostos; ao mesmo tempo, pareciam desesperadas para sair da foto.

Ainda atordoado pela visão que acabara de ter, olhou ao redor e percebeu que em todas as fotos a cena se repetia: todas as pessoas gritavam, choravam, e tentavam desesperadamente sair de suas pequenas prisões particulares. O som misturado de choro de crianças e adultos, com os gritos de agonia eram como uma faca que atravessava seu cérebro. Naquele momento, ajoelhou-se tapando o máximo que pôde os ouvidos e fechou os olhos. Em seu interior, parecia estar sofrendo como aquelas pessoas. Chorou, como se estivesse também preso em uma moldura feita artesanalmente.Algum tempo depois – ele não podia mensurar se foram minutos ou horas – levantou-se, mas ainda sentia o desespero das pessoas ao seu redor. Eram pessoas, não eram? Ou eram apenas suas almas aprisionadas para toda a eternidade em uma foto – ou o que parecia ser uma foto?

Não suportando mais a agonia de estar confinado naquela pequena sala, correu, dirigindo-se à porta pela qual entrara, mas só teve tempo de virar-se para perceber que não havia qualquer porta ali; todas as quatro paredes estavam cobertas de fotografias, e não havia portas ou janelas por onde sair. Gritando, atirou-se desesperado contra as paredes, tentando, inutilmente, encontrar uma forma de sair daquele lugar. Com bruscos movimentos, arremessou as fotos para longe das paredes, mas, a cada porta-retrato que caía, um novo surgia em seu lugar, e mais e mais pessoas gritando, chorando, em uma grande sinfonia desafinada.

Sem qualquer esperança de sair daquele lugar misterioso, após muito gritar e chorar, percebeu que em uma das paredes havia uma moldura com uma foto em que não havia ninguém, apenas um quarto. Analisou aquele estranho objeto mais de perto, ao mesmo tempo que tentava entender o que se passava naquele lugar. Percebeu no quarto daquela foto alguma familiaridade, e, novamente, entrou em pânico: aquele quarto havia sido o seu quarto quando criança. A mesma cama, o mesmo tapete em forma de palhaço, a mesma janela próxima da cama. Naquele momento, o pânico foi tomado por uma saudade; saudade de tempos que nunca mais voltariam, e entendeu que o objetivo de qualquer fotografia era congelar um determinado momento no tempo; um momento que nunca mais será esquecido e ficará ali para sempre. Lembrou-se de quantos momentos desejara ter congelado no tempo.

Fechou os olhos, e a sacristia foi tomada por um imenso clarão, uma intensa luz vermelha. Quando apagou, o quarto havia voltado ao seu estado anterior, a porta encontrava-se no mesmo lugar que estava quando o estranho a cruzou. O estranho, não entanto, não estava mais ali; agora, ele fazia parte daquele imenso mural nostálgico, e naquele momento, ele estava de volta ao quarto que fora seu quando tinha 3 anos de idade. Passaria toda a eternidade preso àquele lugar, e talvez um dia implorasse para sair dali, da mesma forma que todas as outras pessoas que também faziam parte daquele lugar.

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