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26.5.08

OLHE BEM NOS MEUS OLHOS

Pedro Pazelli, do Rio de Janeiro, estréia como colaborador da Câmara com um conto inserido no fantástico universo circense.


OLHE BEM NOS MEUS OLHOS
de Pedro Pazelli


O mágico e hipnotizador convidou uma das pessoas da platéia para vir à arena. O senhor gordo, careca e de óculos aceitou todo solícito e colocou-se ao lado do artista, que lhe pediu logo os óculos, colocou-o dentro de um lenço e imediatamente o objeto desapareceu, indo aparecer, para surpresa de todos, dentro da bolsa de uma senhora da primeira fila da platéia. Todos no circo bateram palmas com entusiasmo.

A seguir, convidou uma jovem, que afirmou não acreditar em hipnotismo, para ser cobaia de uma experiência, neste sentido.

Ela relutou bastante até aceitar. Entrou na arena e o prestidigitador ordenou:


-Olhe bem nos meus olhos!

- Obedeceu, mas visivelmente irônica, até ficar completamente hipnotizada. A partir deste momento, obedecia tudo o que ele pedia, no final, tirar toda a roupa, o que só não se concretizou completamente, porque o próprio hipnotizador, prontificou-se a faze-la voltar a sí, quando já havia tirado a blusa e se preparava para tirar o sutiã. Afirmou que não lembrava de nada do que fizera. Muito envergonhada, de ter duvidado, e de ter se exposto tanto, não quis ficar mais na platéia para assistir o resto do espetáculo e foi embora. Todos aplaudiram mais ainda que da outra vez.

Após findar seu trabalho, o já afamado artista, foi aos camarins, trocou de roupa e saiu para a rua naquela noite fria e chuvosa. Conhecido como “O Grande Karan”, ele sabia que não era tão grande assim. Nem ele, nem sua arte tinham tanto brilho quanto o letreiro colocado na porta do teatro, anunciando seu espetáculo.Não era grande também a sua situação financeira. Devia três meses de aluguel do kitinet no qual morava.

Akan pegou o ônibus e se dirigiu para lá, planejando no dia seguinte, chamar Átila, o dono do circo para uma conversa muito séria, após o espetáculo. Antes de dormir, fez suas orações e pediu a Deus que o ajudasse a ter sucesso nas suas intenções.

- O quê?! Que comissão é esta?- admirou-se Átila.

- Quando assinei o contrato você disse que, após seis meses de temporada, além do que está me pagando, eu receberia mais trinta por cento e já se passaram oito meses!

-Você enlouqueceu! Nem os artistas que moram no circo e viajam comigo recebem isto, ainda mais um artista iniciante...

- Iniciante, sim, mas a mídia está o tempo todo falando de mim, o cartaz na porta e os anúncios nos jornais fazem menção ao meu nome e o circo está cheio por causa de mim.

- Só porque apareceu na televisão como parte da nossa estratégia de marketing, agora já acha que é o melhor do circo, é?

- Eu não disse isto! Só quero o que é meu e você prometeu. E o meu aluguel? Está atrasado e preciso de dinheiro e por isso...

- E eu, não tenho despesas também não? O seu número não é só você não, meu caro! Tenho que pagar o Carlos que você finge desaparecer com o relógio dele, a Sandra que fica na platéia com outro relógio igual na bolsa, e a Débora que simula o hipnotismo. Contando com você, são cachês de quatro atores.

- Você prometeu!

- Não me lembro disto! Aonde, no contrato, está no contrato?

-Foi verbal e você sabe disto. Não há nada escrito, mas você falou! Disse que assim que o circo começasse a dar lucro você...

- Se eu disse, fica o dito pelo não dito, e pronto!

- Tá legal! Vou embora. Já fui convidado pela Boate Limmer para fazer o mesmo espetáculo ganhando mais.

-Nada disto! Nosso contrato é de dois anos e você ainda tem dezesseis meses a cumprir. Se quiser, após este período eu melhoro o seu contrato, se não, rompimento de contrato, aí sim, está lá na cláusula oitava: Você terá que me indenizar e meus advogados sabem muito bem cuidar disto. Existem muitos mágicos e hipnotizadores doidos para pegarem o seu lugar. Você não é mágico? Faz aparecer dinheiro e paga o aluguel – ironizou o patrão.

-E um adiantamento?

-Adiantamento de que? Não é praxe da casa. Aqui é assim: trabalhou, recebe, não trabalhou, não recebe.

Akan sabia muito bem o que dizia a cláusula oitava. Não podia desistir. Estava escravizado a um contrato com letras miúdas que nem lera antes de assinar, tão eufórico estava com a possibilidade de arranjar emprego após tanto tempo desempregado.

Após esta conversa infrutífera o ilusionista saiu para a escuridão da noite. Envolto em seus pensamentos, perguntou para sí mesmo: -Por que Deus não me ajudou? Eu pedi tanto, ontem...-


Outros pensamentos vieram e por fim, desejou que sua mágica e seu hipnotismo fosse verdadeiro e que, assim, pudesse fazer Átila sair da sua vida, pois ficaria livre do contrato, podendo fechar um novo em bases mais justas. Desejou que uma força maligna, se existisse, tomasse conta do assunto a seu favor. Notou que uma névoa começou a tomar conta da rua e quando atravessou esta névoa, estava em um local totalmente diferente, uma rua de terra, carruagens passavam, pessoas andavam semidespidas, os prédios e casas eram de estilo medieval e tudo possuía um tom avermelhado. Um homem estranho aproximou-se e perguntou:

-Você não é daqui, é?

-Que lugar é este? –devolveu.

-Você está em outra dimensão. No mundo da magia.

No dia seguinte, Akan, irrompeu no escritório do circo gritando:

- Átila, tenho um novo número sensacional para apresentar no espetáculo desta noite.

Sem levantar a cabeça do papel que estava escrevendo apenas resmungou alguma coisa que não deu para entender.

- Atila, estou falando com você. – insistiu.

- Fala logo. Não vê que estou ocupado?

-Serei rápido. Olhe bem nos meus olhos.- pediu

- Ora Karan!-esbravejou. – Não me venha com brincadeiras esta hora! Esta frase impressiona o público, menos a mim, que sei como tudo funciona. Você devia estar se preparando porque o espetáculo já vai começar e...

- Calma, Átila! Tenho certeza que você não vai se arrepender se perder alguns segundos. É um truque que jamais esquecerá e vai mudar sua vida!

- Está bem!-disse fazendo cara feia e cruzando os braços com raiva. Seja breve.

- Olhe bem nos meus olhos. – insistiu Karan.

- Estou olhando. E daí? – ironizou.

Após alguns segundos Átila abriu uma gaveta da mesa onde estava sentado, pegou o contrato que tinha com o mágico e entregou-lhe. Akan fez gesto com uma das mãos e o contrato pegou fogo. Depois falou para o hipnotizado:

- Assine agora este outro contrato, passando o circo para o meu nome.

Átila assinou.

Por fim Karan deu a última ordem.

- Suma daqui – e entrou na arena para fazer o seu espetáculo. O barulho das palmas era tão intenso e a ocupação e atenção de todos que trabalhavam no circo era tanta que ninguém viu quando Átila saiu com o carro puxando um trayler com seus principais pertences. Só no dia seguinte é que foram notar a sua falta. Akan explicou que comprara o circo, e que Átila resolvera mudar-se para outra cidade, fato que caiu na desconfiança de alguns, mas como o antigo patrão, não era querido pelos empregados, logo o fato foi esquecido e Akan continuou fazendo seu número e ao mesmo tempo gerenciando o circo, reajustou os contratos do empregados em valores justos, o que fez angariar a simpatia da maioria.

Karan tinha aprendido, em outra dimensão, a ser um mágico e um hipnotizador de verdade.

15.5.08

A TERRÍVEL SOLUÇÃO

Um eminente professor busca vingança para a traição de sua esposa neste conto inédito do escritor carioca Luciano Barreto. Boa leitura!



A TERRÍVEL SOLUÇÃO
Luciano Barreto

O homem gordo e barbudo respirava lentamente na escuridão. Tinha as mãos nos bolsos. O local que ele estava era um jardim abarrotado de plantas. Ele esperava sua mulher. “Um presente para você, querida! Um lindo presente.” – falava baixinho para si, em tom sombrio.

Creio que o amigo leitor ainda não tem noção do desespero reprimido deste homem. Um desespero regado a triunfo e com leve pitada de justiça. Então, é preciso retroceder e revelar a causa desse sentimento que é algo entre a tristeza e a felicidade e depois, tornou-se algo entre loucura e a satisfação.

O homem gordo citado acima é o doutor Eduardo Homero, chefe do setor de genética vegetal da Universidade Estadual Fluminense e casado com Vilma Homero, uma linda moça de trinta e dois anos de idade. Eduardo era três anos mais velho do que a esposa. O casal era, até certo ponto, feliz. No que tange a Vilma, o pior do relacionamento era o fato de seu marido transar cinco ou seis vezes por mês. Da parte de Homero, era o fato de ser traído por sua mulher.

O doutor Eduardo Homero era muito bem conceituado na Academia do ensino. Ministrava aulas nos cursos de biologia e química. Em paralelo, desenvolvia pesquisas genéticas em plantas. Sempre fora conhecido por sua calma e passividade. Talvez esse fato fora a mola-mestre para mantê-lo equilibrado por seis meses, depois que tomou conhecimento da infidelidade de sua esposa.

A partir desse dia começou a examinar o modus operandi de seu algoz amoroso. Era um jovem cujo nome fez questão de não saber. Entretanto, certificou-se quem era o rapaz. Um vendedor de uma loja de calçados do centro da cidade.

Durante seis meses não tocou sua mulher. Dedicava-se inteiramente a um projeto de mestrado reprovado. Em mente, uma solução tão terrível quanto singular. O aluno que o ajudava era Rafael Conoccio. Um jovem bastante estudioso e que tencionava lecionar na própria instituição. O projeto de Conoccio fora reprovado por uma banca composta por três doutores. Um deles era o doutor Eduardo Homero. A reprovação se deu antes de o doutor Eduardo tomar conhecimento do lado adúltero de sua esposa.

Mas a mágoa dissipara-se quando, para enorme surpresa de Rafael, Homero o interpelara nos corredores da faculdade e o chamara a sua sala: “Preciso falar com você, Rafael. Vamos a minha sala” – pediu o doutor Homero. Surpreso, Rafael o seguiu imediatamente.

Já dentro da sala, o doutor Homero, após sentar-se e oferecer a cadeira ao visitante, foi direto ao ponto: “Quero propor outro tema para seu projeto de mestrado. Eu vou te orientar daqui em diante.” O bacharel, empertigado, desconfiou da proposta, mas estava interessado. Isso, Homero conseguiu captar no tom de voz de seu interlocutor.

“Pois bem, professor Homero, eu aceito seu convite e fico muito lisonjeado. Em que se resume a proposta?” – indagou o jovem graduado.

“O projeto agora, meu caro, será desenvolver uma Dionaea Muscipula geneticamente modificada. Precisamos alterar suas dimensões e suas forças. Ela precisará quebrar algo duro. Quero que ela atinja, pelo menos, dois metros de altura”.

Conoccio arregalou os olhos e encostou-se no espaldar da cadeira. Parecia surpreso e indeciso. Homero já estava preparado para tal reação. Para tanto, garantiu que precisava da resposta naquele momento e que era preciso que o orientando fizesse total sigilo quanto ao fim colimado do projeto. Para efeito institucional, o projeto consistiria em criar, tão somente, uma variante de uma planta no que se referia à cor.

Relutante, Rafael balbuciou: “uma planta...” – o doutor Eduardo o interrompera de maneira áspera. “Comece agora. Eu já iniciei pesquisa acerca desse tema há muito. Na verdade esse seria meu projeto de mestrado. Deixei de lado porque não tinha um orientador corajoso como eu. Então, tenha júbilo. Você tem um orientador corajoso. É preciso agir hoje, realizando algumas tarefas que não são complicadas. Você será capaz de fazê-las. Tange a repetição e não a intelecção. Por enquanto será assim. Quando eu precisar de sua intelecção eu a requisitarei” – finalizou o professor.

Ainda pensativo, o jovem perguntou: “Sobre as apresentações, professor?”

“O que tem?” – indagou o professor com sorriso contido.

“Quando serão?”

“Primeiro faremos os testes, depois pensaremos nisso. A princípio, quero um exemplar para daqui a seis meses.” O professor sabendo que o tempo realmente era insuficiente e reparando a fisionomia de desaprovação do outro, foi enfático. “Está bom ou está ruim? Não podemos perder tempo. Você será mestre sob minha orientação. E o crescimento da planta será acelerado geneticamente por mim. Eu já tenho esse estudo pronto. É viável!”

Rafael levantou-se e olhou para o rosto redondo e barbudo do professor. Sabia que um projeto orientado pelo doutor Eduardo Homero seria passaporte carimbado para um doutorado em qualquer universidade pública do país. Depois de alguns segundos disse em voz decidida “Pode contar comigo, professor”.

Eduardo estava com as mãos cruzadas sobre a enorme barriga quando disse: “Ótimo, meu jovem. Usemos o laboratório Bio - 2. Você vai trabalhar sozinho sem ninguém por perto. Eu passarei por lá sempre que puder”.

O bacharel agradeceu e se retirou. Seu destino foi o laboratório onde iria trabalhar no projeto. Iria começar naquele momento.

A base genética da planta ficara pronta em um mês e fora modificada pelo doutor Eduardo Homero. Assim, a planta cresceu rapidamente. Ela não se alimentava, senão por um soro injetado diretamente no caule. Um soro que a dopava e, ao mesmo tempo, a alimentava. Conoccio não participara do estudo genético. Sua única função era, até o momento, cuidar da planta, ou seja, ministrar o soro e efetuar algumas podas estratégicas. Após três meses o vegetal atingiu um metro e oitenta de altura. Não era o tamanho ideal, mas já teria utilidade. Era uma planta que possuía um caule grosso de cor levemente esverdeada, com largura de quase setenta centímetros e no cimo ostentava um bizarro pecíolo com um limbo foliáceo orlado com lobos denteados e ominosos pêlos. Sua cor era o mesmo verde do tronco. O interior do limbo, entretanto, era escarlate. Uma enorme planta carnívora. A modificação genética ocorrera no tamanho, no processo de digestão da planta e na – digamos – força da capacidade de morder.

A logística para levá-la até a casa do doutor Homero fora problema resolvido por um caminhão-baú que a transportara com a devida discrição. Principalmente por ser um domingo à tarde, momento em que Vilma visitava seus pais. Com a ajuda de Rafael, tudo se tornou mais fácil.

A planta ficou por algumas horas no jardim dos fundos da residência do doutor Eduardo que cessara as poderosas doses do notável soro-tranqüilizante. A noite chegou rápida naquele domingo. O professor Homero arrumava-se para ir à missa das sete horas. Colocou seu melhor terno. Como de costume, nos últimos meses chamava sua esposa e ela, que já havia chegado da casa dos pais, declinava prontamente o convite. Dizia que preferia ficar em casa. Preferia ler a Bíblia a ir à igreja. Mas na verdade preferia ficar com seu amante.

Foi naquele domingo que doutor Eduardo faltou a missa pela primeira vez nos últimos três meses. Fizera tudo como nos últimos meses, mas ao invés de tomar a avenida central que o levaria ao templo, tomou a entrada para o retorno que passava em frente a sua residência, onde parou seu veículo e, esgueirando-se silenciosamente pelo portão, rumou para o jardim.

Já era noite e quando chegou, encostou-se no muro que delimitava seu terreno. Esperou por exatos quarenta minutos. Foi quando ouviu um murmúrio zombeteiro. Era o amante de sua esposa. O ambiente estava bastante escuro. Mas havia um facho de luz que se originava de um poste, na rua. Destarte, dr. Eduardo Homero via com clareza os movimentos do intruso. O homem pulou o muro com jovial rapidez e deslocava-se decidido quando ouviu uma voz chamar. “Ei, você. Fique onde está.” O homem parou em posição de defesa, inclinando um pouco o corpo, procurando raciocinar de onde vinha aquela voz. Ele sabia quem era o dono da voz.

Mesmo assim, não aceitou a hipótese de ser o doutor Eduardo Homero e ficou horrorizado quando viu o homem gordo trajando terno surgir da escuridão com um pequenino revólver em riste.

“Não sou ladrão. Também não é o que o senhor está pensando. Entrei na casa errada!” – asseverou o homem. “Cale-se.” – ordenou Homero, friamente. “Caminhe para sua esquerda lentamente.” O estranho, olhando para a arma, seguiu a ordem do doutor Homero. Então, este esticou o braço e fez mira na cabeça do outro que recuou por instinto, mergulhando em outra parte escura e encontrando com algo grande e viscoso. A última imagem que o invasor viu do homem gordo que segurava a arma foi o facho de luz iluminando metade de seu rosto. Algo se moveu lentamente, batendo os dentes num ritmo assustador, e arrancou a cabeça do visitante com movimento atroz e contínuo. Era a enorme planta carnívora que havia despertado de seu sono. Os estalos de ossos se quebrando fizeram o cientista retroceder alguns passos e voltar à escuridão total. O corpo do homem balançou e caiu de joelhos no facho de luz que vinha da rua. Não havia mais cabeça. O doutor Eduardo Homero, horrorizado, ansiou por vomitar, mas conteve-se. O sangue jorrava na enorme planta carnívora que mastigava o crânio lentamente. Depois da pena capital, o enorme vegetal efetuou outra medonha investida. Desta vez deixando somente o cadáver com cintura e pernas estiradas no chão, ainda sob a luz da rua. O doutor Eduardo Homero por duas vezes, durante mastigação da planta, pensou em cometer suicídio dando um tiro na cabeça. Tinha um terço envolto no braço direito. Mas não teve coragem. Então, uma sanha obscura o acometera outra vez.

Percebera que a planta não estava saciada, afinal modificara seu processo de digestão, porque ainda tentava alcançar os restos do cadáver no chão, mas não lograva êxito. Assim, colocou a arma no bolso, arrastou os despojos para a escuridão - tendo cuidado para não ser mordido pelo experimento - e gritou o nome de sua mulher. Ela perguntou, com outro grito, ainda dentro de casa e um tanto aborrecida por saber que seu marido ainda estava lá, o que ele queria. Em resposta o doutor Eduardo Homero gritou: “Venha aqui no jardim. Tenho um presente para você” - e completou sussurrando na escuridão - “que ainda está com muita fome”. Depois, o professor ainda ensaiou, por trás de um sorriso maligno, o que iria falar com seu aluno de mestrado: “Rafael, meu caro, use a intelecção e me apresente uma ótima sugestão para ocultar esses despojos humanos que sobraram. Então, se eu concordar e usando minha influência, torná-lo-ei mestre.”

A ISCA PERFEITA



Nosso amigo e colaborador, escritor jurandir Araguaia, retorna à Câmara com um suspense perturbador. Boa leitura!


A ISCA PERFEITA


Um conto de Jurandir Araguaia


Meu sogro era um homem difícil. Nunca o agradei. No primeiro encontro encarou-me como a um credor. Reparou meticulosamente em meu ¨piercing¨ no nariz, nas roupas de couro, no cabelo que não conhecia pente ou escova. Senti suas vibrações penetrando minhas entranhas. Cada filete de alma foi revirado. No entanto, para não contrariar Anita, sua filha e minha namorada, aceitou-me ou fingiu fazê-lo.

Sempre controlava nossas saídas e encontros, isto é, quando estava presente na cidade. O namoro avançou. Nossa afeição era sincera. Não sorria nunca, mas percebi que deixou-me mais à vontade. Quando não se pode vencer um inimigo, aceite-o, creio que foi a sua conclusão. Um dia atingiu o ápice. Convidou-me a conhecer uma de suas fazendas no Mato Grosso do Sul.

Fomos no jatinho da família. Odeio aviões. Tremia-me todo, mas disfarcei. Acreditei que iríamos a uma das inúmeras fazendas de gado, mas levou-nos diretamente à fazenda de jacarés. Odeio répteis. Meu sogro sentia-se no domínio da situação. Junto a Anita, mostrou-me os vários tanques. Eram colossais. Convenceu-me a lançar nacos de carne às feras. Eu repugnava aquilo. Ele se deliciava com as bocadas:

- Veja aquele! Olhe como faz o outro! São lindos os meus bichinhos. Você não acha? – meu sorriso amarelo era a resposta.

Mal conseguia almoçar. Lembrava-me das horríveis dentadas. O prato não poderia ser outro: carne de jacaré preparada de mil formas. Comi contrariado. Anita me chutava sob a mesa a dizer com os lindos olhos castanhos – agrade o velho.

O resto do dia não foi menos constrangedor. Ele nos deixou um pouco a sós, mas aparecia de surpresa a nos flagrar entre um ou outro beijo.

- Vamos demorar muito, meu bem? – era a minha pergunta constante.

- Relaxa, dizia Anita. Tente agradar. Ele parece que está gostando de você. Os bichinhos, depois da família, são a paixão da vida dele. Demonstre respeito e tudo vai ficar bem.

Fiquei o dia inteiro sentindo-me mal. Lembrava-me dos animais fedorentos, das bocas enormes, dos dentes, da gula pelos nacos de carne e da risada horrenda do meu sogro. Olhe, dizia, que tal?

No jantar serviu vinho e mais carne de jacaré. Eu não suportava mais aquilo. Não permitiu que Anita e eu dormíssemos juntos.

- Só depois de casados! Aqui em casa, não!

Anita, talvez por conta do vinho, sentiu-se muito sonolenta, o que também aconteceu comigo. Retirou-se mais cedo alegando que o sono a vencia. Fiquei a sós com o sogro. Muito gentil, conduziu-me ao seu escritório.

- Vamos selar nossa paz com mais um gole desse vinho especial!

Ofereceu-me uma taça. Contrariado, aceitei. Fez um discurso sobre família, defender a pureza do sangue, selecionar espécies e outras coisas chatas. Sentado em uma poltrona, via-me afundar, olhos pesados. Quando dei por mim, perdi os sentidos. Despertei, horas depois, deitado de costas, com o sol batendo no meu rosto e a garganta seca. Ouvi barulhos terríveis de dentadas. Percebi que me encontrava amarrado pela cintura a uma rede de dormir e suspenso a grande altura; tanto que via a copa de algumas árvores. Notei que estava sobre um daqueles enormes tanques.

Simplesmente comecei a chorar. Lágrimas lavavam minhas faces. Meu sogro fora longe demais. Certamente daria uma desculpa esfarrapada a Anita e compraria o silêncio da polícia. Era um Coronel da região. O coração descompassado. Os músculos retesados. Temia mover-me e a rede virar para baixo, deixando-me fragilmente dependurado. Poderia cair. O primeiro grito saiu engasgado. Entre soluços, consegui berrar o nome de Anita. Apenas o eco de minha voz reverberava. Isso parecia agitar as enormes criaturas. Ouvia seu movimento nas águas e as dentadas.

- Deus, meu Deus... – era tudo que podia dizer.

Levantei a cabeça lentamente, segurando firme na rede para não virar de uma vez. Eu não confiava na firmeza da corda que me atava. Pensei em me soltar e, através da corda, arrastar-me até uma das pontas. Pude ver então que iscas, propositalmente colocadas, estimulavam ratos a roer os nós que prendiam a rede aos galhos. Apoiei minha cabeça e fechei os olhos. Comecei gritar cada vez mais alto, na tentativa vã de que alguém, em um átimo de bondade, me libertasse daquela insanidade. Enquanto isso as águas se agitavam...

6.5.08

O MEDO, O HOMEM E A LITERATURA

A amiga das letras sombrias, escritora Tânia Mara Souza, do Mato Grosso do Sul, apresenta um estudo valioso sobre literatura fantástica com enfoque especial no diferencial entre os conceitos de horror e terror. Um ensaio que, desde já, configura-se numa preciosidade para os seguidores do gênero. Boa leitura!

O MEDO, O HOMEM E A LITERATURA

Por:Tânia Mara Souza


"A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido.”
( Howard Phillips Lovecraft)


A literatura é uma constante provocação, é a pura inquietação. Provoca a beleza, provoca o espanto, encanta, surpreende, recria e cria. Leva de leve pelas mãos e inesperadamente, joga o leitor entre sombras de dor ou lago de risos. Com ela, sentimentos como o amor, a raiva, o ciúme, a esperança, a tristeza, a alegria, o desejo, a inveja, a amizade e tantos outros, recontam a historia do homem. Seres comuns, divinos, fracos, homens, bichos e deuses, meros objetos, nada nem ninguém passa impune, ou imune, pela obra literária.

O poeta, o escritor, o romancista, aquele que tem em mãos o papel, o lápis, o computador, e nos pensamentos uma inquietação, uma eterna procura, é ele o demiurgo, o criador e a criatura das palavras. Escuta os sussurros das épocas, dos homens, da vida e desenha com seus vocábulos um universo, o texto.

Entre os sentimentos que caminham junto ao homem, é o medo, ao lado do amor, um dos sentimentos mais constantes. E do medo a literatura suga cada suspiro, transformando em verso ou prosa cada bater de um coração assustadiço.

Quando fala-se em literatura sombria, fantástica ou mórbida, uma questão que incomoda, e por isso importante, por parecer ainda enigmática e sem solução, é a aparente dicotomia entre terror e horror. Ambas arrepiantes, ambas controversas.

Há, de fato, a necessidade de se optar por uma delas quando a pretensão é escrever sobre o gênero. Após algumas pesquisas e leituras sobre o assunto, a questão ainda é um entrave, que parece ainda maior entre escritores e críticos da literatura de terror/horror. A principio, o terror parece ser uma reação física ante o medo, ao sobrenatural, ao desconhecido, a ameaça e crueldade da realidade. Nos dicionários, a definição das mesmas parecem convergir, vejamos algumas delas:

• Terror sm. 1. Estado de grande pavor. 2. Grande medo ou susto.

• Terror sm. 1. Estado de grande pavor ou apreensão. 2. Pessoa ou coisa que espanta, aterroriza.

• Horror sm. 1. sensação arrepiante de medo, de pavor. 2. Receio, temor. 3. Repulsa, aversão. 4. aquilo que inspira horror.

• Horror sm. 1. Atrocidade, barbaridade. 2. Que causa pavor. 3. Grande medo, pavor. 4 . Repulsa; aversão.

Alberto Manguel, em sua coletânea Contos de horror do século XIX, cita Ann Radcliffe, na tentativa de definir essa conturbada relação entre terror e horror “O terror e o horror possuem características tão claramente opostas que um dilata a alma e suscita uma atividade intensa de todas as nossas faculdades, enquanto o outro as contrai, congela-as, e de alguma forma as aniquila”. Edgar Alan Poe e Lovecraft, mestres da literatura sombria, inspiram algumas dessas dicotômicas definições. O terror de Poe seria mais explicito, em Lovecraft, sugerido, inominável, de fato, oculto. Entende-se explicita não a falta de suspense ou mistério, e sim a capacidade de mostrar ao leitor o cadáver, podridão, a tortura, a loucura. Medos reais e concretos, ainda que misteriosos. Lovecraft, ao descrever o horror, ou apenas ao sugerir cenas tão terríveis que não poderiam ser descritas, oculta aos olhos do leitor esse pavor absoluto. O terror pode ser sanguinolento, chocante. O horror, indizível assustador.

No entanto, Poe jamais poderia ser lido senão como um mestre do suspense, estando novamente assim as contradições das definições. O horror mostraria ao homem um universo que se esconde, que a imaginação, em momentos inesperados, consegue conceber, e temer. O horror é a incerteza, a angústia de esperar pelo que vem depois do corredor escuro, é o que rege a condução lenta e inexorável ao mundo sombrio. Mas, o terror gera o horror? Ou o horror gera terror? Não são ambos assustadores? Mais que respostas, neste trecho fica a indagação, a pergunta no ar, e a construção do conhecimento debatendo-se entre uma e outra definição. Para esta autora, ainda inconcluso, portanto, podemos referir-nos ora a horror, ora a terror, até que este questionamento esteja satisfeito.

Em temas literários, falar em literatura de terror ou horror é sondar o medo, e os temores que rondam o homem. Teme-se ao conhecido, ao sangue que pinga dos jornais, às guerras, à loucura. Teme-se também ao desconhecido, ao exótico, aos mistérios e fenômenos sem explicações, estes, principalmente estes, sempre assustaram.

Do que o homem tem medo? Alturas, engordar, o escuro, adoecer, emagrecer, insetos, solidão, monstros reais ou imaginários, a insanidade, fantasmas, os vivos, os mortos, bandidos, morrer, viver, espíritos, os seus próprios fantasmas, a sua imaginação? Tudo o que apavora, que sussurra um fuja imediatamente, ou que paralisa na angústia do horror absoluto é o medo. Esse medo pode ser comum, raro, misterioso, ridículo (aos olhos de quem não o sente, é claro), insano, cruel.

O que o ser humano faria para enfrentar os seus medos, aliás, onde buscar coragem para enfrentá-los? O que fazer então para não torná-los parte da realidade, para não tomarem a essência de cada ser? A paralisia, a fuga, os sentidos e reações confusos e assustados esperam a resposta. E como nem sempre ela vem, a conseqüência dessa ausência pode ser inimaginável.

Se a literatura questiona, reflete ou revela o homem, e seus medos, é na morte, um dos principais medos que a humanidade enfrenta é o terror da morte, que o gênero horror mais resplandece em suas sombras. Tanto no passado ou no presente, a morte é a aproximação do inexorável, oprimindo os sentidos e sentimentos, pode ser temida, pode ser ignorada, pode ser desejada. Entretanto, mais que a morte, o que vem depois dela parece ser a grande perturbação do homem.

A morte e seus mistérios sempre causaram inquietação. E dessa inquietação, os causos, os sustos, as inesperadas aparições, tudo transforma-se em um instigante gênero, a literatura de terror, de horror, de suspense, fantástica, assustadora ou surpreendente.

No conto A mão do macaco, de W. W. Jacobs, a morte e as tentativas de vencê-la acabam gerando um terror infindo, uma mão seca e mumificada, traz consigo o poder de realizar três desejos, mas o preço pode ser terrível o rosto de sua mulher lhe pareceu mudado quando entrou no quart . Estava pálida e sôfrega, e, para aumentar a sua inquietação, tinha um aspecto sobrenatural. Sentiu medo dela. “Ande, faça o pedido”, ela ordenou, com voz forte. Ele hesitou “é loucura, uma crueldade.” “Peça”, a mulher repetiu. Ele ergueu a mão do macaco. “Eu peço que o meu filho viva novamente” desse ponto em diante, o que a mão do macaco trouxe à família, somente a leitura do conto pode dizer. No entanto, são clássicas na literatura as tentativas de dobrar a morte, Frankenstein de Mary Shelley, um dos mais complexos, amado, temido e sentido monstro da literatura de horror, revela esse desejo oculto, e as conseqüências desse querer. O romance nos leva à saga do jovem cientista Victor Frankenstein, que constrói em seu laboratório uma criatura, um monstro feito com pedaços humanos, cadáveres e molas, tentando recriar o ser humano. Quando por fim a criatura vive, horrorizado com o seu feito, o cientista foge, abandonando a sua obra, ou como dizem, o seu filho. Este romance gerou uma imensidão de gêneros em horror, e sempre pode ser considerado atual. A morte, e as tentativas de vencê-la não se esgotaram na ciência, tampouco na literatura. E gera medo. O temor da ciência, do desconhecido, do poder sobre a mais invencível das muralhas, a morte.

Na medida em que o texto literário embriaga-se destes temores, não está, como julgam tantos, divulgando, promovendo, instigando ou influenciando a insanidade, a irracionalidade do ser humano. A ferida quando exposta, a chaga sangrando é o alerta, a denuncia, e principalmente, o alivio, o alivio da tensão, do dia, da noite insone, da noite solitária, do não, do sim, do cotidiano esmagador, do que não se explica, do que dói sem nem sempre saber o porquê. Este alívio das tensões é o desabafo, a catarse.

É na literatura macabra, de terror ou horror, em cada página, letras e textos oriundos da mentes sensíveis ao sombrio que o homem pode reencontrar-se consigo mesmo, com os fantasmas que o perseguem, ainda que seus olhos levantem-se inquietos, e até mesmo o silêncio o assuste enquanto lê, a segurança do distanciamento promove o encontro, a busca, o desafio, até mesmo a indiferença de múltiplas emoções.

O medo, quando explorado na literatura, reflete as sensações enfrentadas na vida dita real. A função catártica da literatura é a purificação, o sentimento de alivio, de expurgar a angústia das situações de tensão. O texto literário pode ajudar o indivíduo a conhecer-se e a conhecer a sociedade em que vive. O homem precisa, mais do que nunca, saber ao que teme, e toda a sua complexidade reflete-se nas letras.

Questiona-se, no entanto, se essa exposição constante não o tornaria indiferente, insensível à dor que porventura verá. Será então que o aumento da violência traz insensibilidade? Estamos insensíveis ao horror? O ser humano tornou-se embrutecido ou essa brutalidade sempre esteve ali? O que leva uma pessoa a interessar-se por acidentes, brigas, ou outras cenas mórbidas? Programas e filmes que exploram a violência ganham em audiência, notícias macabras, atos mórbidos seduzem a curiosidade e atenção de toda uma nação, e nem por isso, saem repetindo os atos assustadores que presenciam. Assim, quem não gosta de histórias de terror, alimenta o seu medo em outros campos.

Cada resposta para as perguntas acima na verdade não existe, e passa pela historia de vida de qualquer pessoa, e em cada resposta, única e pessoal, pode estar presente o conceito da catarse, no alivio, no reconhecimento de estar a salvo, distante e vivo. Ainda que aterrorizado.

Quando o texto é cruel, deseja sacudir, despertar o leitor, acordar o homem da indiferença que o toma, pois o medo sufoca, e uma das opções seria tentar afastar-se, separar o que nos causa repulsa é humano e histórico que o desconhecido agride. Mas ainda assim, a própria sabedoria popular nunca deixou a o suspense se perder, não se deixa as historias de medos perderem-se, e cada ato de horror, cada momento de terror, de suspense, permanece lembrando ao homem a sua pequenez. O Futurismo, movimento de vanguarda, mesmo não tratando de literatura de terror, tem esse aspecto de dar a bofetada, de agredir, de sacudir para acordar, e nesse sentido, aproxima-se de algumas histórias cuja crueldade podem ser esse soco, essa bofetada, esse amor ao perigo. Em O cobrador, conto de Rubem Fonseca (1979), em uma escrita seca, ácida e urbana, somos convidados a uma mente criminosa e doente de ódio...

“Fico na frente da televisão para aumentar o meu ódio. [...] Quero muito pegar um camarada que faz anúncio de uísque. Ele está vestidinho, bonitinho, todo sanforizado, abraçado com uma loura reluzente, e joga pedrinhas de gelo num copo e sorri com todos os dentes, os dentes dele são certinhos e são verdadeiros, e eu quero pegar ele com a navalha e cortar os dois lados da bochecha até as orelhas, e aqueles dentes branquinhos vão todos ficar de fora num sorriso de caveira vermelha. Agora está ali, sorrindo, e logo beija a loura na boca. Não perde por esperar”



Nas cidades, a névoa, os becos, as sombras, a solidão, a insanidade, a violência, a dívida de sangue da sociedade, a indiferença e a crueldade são alguns dos elementos que propiciam o ambiente de terror. O terror descarado, angustiado, sangrento, cruel, espirrando sangue e dor no leitor

(...) Tirava o facão de dentro da perna quando ele disse, leva o dinheiro e o carro e deixa a gente aqui. Estávamos na frente do Hotel Nacional. Só rindo. Ele já estava sóbrio e queria tomar um último uisquinho enquanto dava a queixa à polícia pelo telefone. Ah, certas pessoas pensam que a vida é uma festa”(...) Ela está grávida, ele disse apontando a mulher, vai ser o nosso primeiro filho. Olhei a barriga da mulher esguia e decidi ser misericordioso e disse, puf, em cima de onde achava que era o umbigo dela, desencarnei logo o feto. A mulher caiu emborcada. Encostei o revólver na têmpora dela e fiz ali um buraco de mina.


Neste mesmo conto de Rubem Fonseca (1979) é a crueldade o principal mover dos fatos, assim como a dor, a angústia da inadaptação, da insanidade, e por fim, de uma estranha missão, do humano animalizado, bestial Ergui alto o alfanje e recitei: Salve o Cobrador! Dei um grito alto que não era nenhuma palavra, era um uivo comprido e forte, para que todos os bichos tremessem e saíssem da frente. Onde eu passo o asfalto derrete. O conto não trata exatamente do terror convencional, mas sim do horror de uma sociedade inesperada, do ódio, da morte, dos jogos de poder entre razão, emoção e sociedade. A paz aparente de quem cruza a rua, vivendo os seus dias com a efervescente mornidão que o cotidiano impõe, pode, de repente, ver-se frente a um cobrador. Toda tranqüilidade rompida em sangue, dor e asfalto derretido.

Em um momento de paz e tranqüilidade não há espaço para o medo, porém, quando essa tranqüilidade se vai, o espaço que antes era calmaria torna-se em segundos uma realidade que aperta e esmaga os sentidos. Assim, a um vulto vislumbrado, a um som que não se explica, o coração acelera, a pele arrepia-se, os instintos gritam silenciosos, eis o medo. Ainda que depois o vulto se descubra em moveis, os ruídos em normalidades de um cotidiano, o medo marcou a presença. Vive-se o medo, lê-se o medo. Nas historias de terror, o medo traduz-se em seres e lugares enigmáticos, seres malignos, fantásticos, espíritos, fantasmas, feiticeiros, bruxos, monstros cuja aparência pode ou não refletir a crueldade de seu intimo.

E em cada local, insurgem-se os velhos castelos, casas abandonadas, catacumbas, florestas, ruínas, casebres, o mar, as montanhas, o inferno. Também os mistérios da ciência, as ousadias dos homens em busca do conhecimento, os seres misteriosos, magia, geralmente, são estes os aspectos básicos da literatura de horror.

A hora do medo é noturna, desamparada, desconhecida, pois em meio às sombras da noite que o feio, o assustador, o espectral revela-se. Assim, não é por acaso que uma grande parte dos contos e histórias de terror têm na noite o seu cenário ideal, a noite misteriosa, sugestiva, silenciosa, solitária, vaga, onde tudo acontece, opõem-se a claridade do dia, da conturbação do ir e vir, das tarefas sempre exigindo atenção. É na noite calada que os sentidos alertas podem ver e ouvir o sombrio. Edgar Alan Poe (1975) um dos mais inquietantes escritores do gênero sombrio, em “O coração denunciador” mostra como poucos como a noite pode ser terrível e assustadora

“Todas as noites, por volta da meia-noite, eu girava o trinco da porta de seu quarto e abria-a... Oh! Bem devagarinho! E depois, quando a abertura era suficientemente para conter minha cabeça, eu introduzia uma lanterna com tampa, toda velada, bem velada, de modo que nenhuma luz se projetasse para fora, e em seguida enfiava a cabeça. (...) Movia-a lentamente, muito, muito lentamente, a fim de não perturbar o sono do velho. (...) E depois, quando minha cabeça estava bem dentro do quarto, eu abria a tampa da lanterna cautelosamente... Oh! Bem cautelosamente!... Cautelosamente... Por que a dobradiça rangia... Abria-a só até permitir que apenas um débil raio de luz caísse no olho de abutre. E isto eu fiz durante sete longas noites... Sempre precisamente à meia-noite... (...) E todas as manhãs, sem temor, chamando-o pelo nome com ternura e perguntando como havia passado a noite...”


Os segundos de espera, os olhos espreitando a réstia de luz, o coração batendo furioso, traduzem um dos momentos mais angustiantes da literatura. E ao amanhecer, a negação, a luz limpando qualquer resquício de uma noite de pavor insano faz da mesma o insano aflorar da loucura, do medo, da crueldade. A razão e a emoção, uma das mais antigas luta dos homens, mostra o poder do medo, pois quando ele vem, a razão desaparece. E o que leva embora assim tão rápido a razão? Um vulto no escuro, ruídos em horas silenciosas, pesadelos, a própria realidade, a morte, a guerra, a solidão. Um ruído na noite, e o terror faz-se absoluto E o velho saltou na cama gritando: "Quem está aí?" (...) ele ainda estava sentado na cama, às escuras (...) seus temores foram crescendo. Tentara imaginá-los sem motivo mas não fora possível. Dissera a si mesmo; "É só o vento na chaminé” ou "é só um rato andando pelo chão", ou "foi apenas um grilo que cantou um instante só": sim, ele estivera tentando animar-se com essas suposições ainda em “O coração denunciador”, Poe nos leva a acompanhar o pavor de quem teme, sozinho no escuro, mediante um vulto, a uma presença inexplicável, e as justificativas desesperadas em busca de uma explicação.

Mas é no poema O Corvo, (BARROSO, 2000) uma obra prima da composição poética, perfeita combinação entre solidão, lirismo, sombras e medos, que a presença da noite, do inexplicável fascina leitores de todas as épocas, Poe, sobre esse poema, escreveu também “A filosofia da composição”, texto em que mostra passo a passo como surgiu esse poema que marca gerações com sua dor e beleza. Desde a escolha do primeiro verso que pudesse causar impacto, e que tivesse musicalidade e semântica incomparável, do ambiente noturno, do lirismo e força da palavra escolhida “nevermore” no Brasil traduzida por “nunca mais”, até os últimos segundos do nascimento e criação, árdua criação, de sua mais bela composição poética Foi uma vez: eu refletia, à meia-noite erma e sombria,/ A ler doutrinas de outro tempo em curiosíssimos manuais,/ E, exausto, quase adormecido, ouvi de súbito um ruído,/ Tal qual se houvesse alguém batido à minha porta, devagar/. "É alguém — fiquei a murmurar — que bate à porta, devagar;/ Sim, é só isso e nada mais”instaura-se assim um ambiente propício, noturno, onde os pensamentos estão prontos para a sugestão, mescla de sonho e realidade, silencio e solidão, um som quebra a monotonia, e em seguida, as buscas por explicação De susto, em pávida arritmia, o coração veloz batia/ E a sossegá-lo eu repetia: "É um visitante e pede abrigo./Chegando tarde, algum amigo está a bater e pede abrigo./É apenas isso e nada mais e aos poucos, perde-se a razão, o medo, o desejo e a loucura aceita tranquilamente o que o coração temia ou pedia. Impregnado das sugestões da noite, ardendo em saudades de Lenora, destina-se ao eterno nunca mais, nunca mais. "Profeta!" exclamo. "Ó ser do mal! Profeta sempre, ave infernal!/ Pelo alto céu, por esse Deus que adoram todos os mortais,/Fala se esta alma sob o guante atroz da dor, no Éden distante,/Verá a deusa fulgurante a quem nos céus chamam Lenora,/ Essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Lenora!"/ E o Corvo disse: "Nunca mais!" A certeza da eternidade sem a mulher amada, a certeza que a ave respondia ao seu apelo por respostas, tudo perde-se em meio as sombras de uma sala onde este corvo não sairá, não sairá nunca mais.

Ainda sobre o ambiente sombrio da noite, sobre as sugestões que os sons indecifráveis podem gerar, Umberto Eco, no obrigatório prazer de A história da feiúra, revela no terror uma das estéticas do feio, e do fascínio que nos oferece, e através do termo umheimliche, propicia o entendimento de como esse ambiente, esse silêncio repentino, essa quase que imperceptível mudança no ar pode ser mais aterrorizantes que a própria aparição de um monstro. No capitulo XI, denominado O inquietante, apresenta ao leitor o conceito desse termo, o que conduz ao medo é o que rompe a aparente naturalidade, a aparente harmonia das coisas, sem que consigamos explicar, tem nesta definição a noção que já circulava na cultura alemã há tempos e Freud havia encontrado num dicionário a definição de Schelling, que reza que umheimliche é tudo que deveria permanecer secreto, escondido e, no entanto, reaflora (...)”. Também podendo ser entendido como estranho, estrangeiro, sinistro, suspeito, desconfortável, horrendo, demoníaco, etc... Reafirma assim a importância da suspeita, da sugestão como mais assustadora que a certeza, e nessa sugestão, nessa criação do ambiente assustador, macabro e inesperado que mora o efeito intimo e surpreendente da boa literatura de terror. Conforme Eco, o que é pior? A certeza de um vampiro, ou a suspeita do vampirismo de alguém? Mais que mostrar, o verdadeiro terror insinua, é o cume, é a sombra, a mancha, é do iceberg a ponta, á noite em vez do dia, é o leve ruído em vez do grito profano, é essa sugestão, essa suspeita que instaura o umheimliche, e deixa oculto o que mais nos apavora, o desconhecido que se o víssemos, não mais resistiríamos.

Em “O travesseiro de penas”, impressionante conto de Horacio Quiroga, temos como personagens um jovem casal, Alicia e Jordán aprendendo a fragilidade de um relacionamento, no cenário, a força de uma casa que parece ter vida, “Ela o amava muito (...) Ele, por sua vez, a amava profundamente, sem demonstrá-lo (...) A casa em que viviam influenciava um pouco nos seus estremecimentos os passos encontravam eco na casa toda, como se um longo abandono tivesse sensibilizado sua ressonância” as difíceis emoções de uma moça frágil, a súbita realidade do casamento, e Alicia acaba adoecendo. Mas, neste aparente e cotidiano narrar, esconde-se um sufocante mistério, e a morte parece ser o caminho inexplicável Não demorou muito para Alicia passar a sofrer alucinações, confusas e flutuantes no início, e que desceram depois até o chão. A jovem, de olhos desmesuradamente abertos, não fazia senão olhar para os tapetes que se encontravam a cada lado da cama. Insanidade, sofrimento, uma alma impressionável? Alicia tornava-se a cada dia mais frágil, fraca os médicos voltaram inutilmente. Havia ali, diante deles, uma vida que se acabava, dessangrando-se dia após dia, hora após hora, sem se saber absolutamente por quê, e mais uma vez, a noite, a sugestão do que não se explica, torna este um dos contos fantásticos que fascinam, cujos sentidos e interpretações jamais se esgotam, e assim, a cada dia que raiava, temos a jovem Alicia em esperanças de recuperar-se, pois durante o dia, sua doença não avançava, mas de manhã ela amanhecia lívida, quase em síncope. Parecia que unicamente à noite a sua vida se fosse em novas asas de sangue. Tinha sempre ao acordar a sensação de sentir-se derrubada na cama com um milhão de quilos por cima. Mas fechemos as portas, e deixemos assim ocultos o marido, os médicos, a criada e a jovem Alicia as voltas com os mistérios de uma noite que sugava a fonte de vida. O terror da morte, a incerteza das razões, o ambiente quase que normal, e os inesperados caminhos do medo.

O terror mostra ao homem um universo que se oculta, que se esconde dos olhos cegos, e revela mundos e seres que a imaginação apenas ousou esboçar em momentos de angústia e sombras. O espaço em que vive o homem, esconde os mistérios, a sordidez, a raiva, a loucura. O texto literário, quando tem no horror a sal matéria, corta a carne e expõe a ferida, e, ou aprende-se a lidar com seus fantasmas, ou torna-se o homem apenas personagem de mais uma saga. Ítalo Calvino, em Se um viajante numa noite de inverno, traduz a íntima relação entre texto e leitor, e tal qual o personagem principal, as voltas com a sua função de leitor, os descaminhos de cada leitura, faz o mais instigante convite a leitura: escolha a posição mais cômoda: sentado, estendido, encolhido, deitado. Deitado de costas, de lado, de bruços. Numa poltrona, num sofá, numa cadeira de balanço, numa espreguiçadeira (...) pode também ficar de cabeça para baixo, em posição de ioga... (1999, p 11) e comece enfim o seu mergulho nos contos fantásticos, verdadeiros retratos do ser humano. A literatura fantástica ou sombria, de terror ou de horror, repletas de seres malignos ou apenas incompreendidos que continuam a povoar a mente do homem, seguirá em seu caminho de sombras, revelando o oculto a quem quiser, ou tiver coragem, para conhecer. As portas da catacumba estão abertas, ouse, leia e viva.






Referências

BARROSO, Ivo (org). O Corvo e suas traduções. São Paulo: Nova Aguilar, 2000.

CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

ECO, Umberto. História da feiúra. Rio de janeiro: Record, 2007.

FONSECA, Rubem. O cobrador. Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1979.

JACOBS, W. W. A mão do macaco. In: MANGUEL, Alberto. Contos de horror do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

POE, Edgar Alan. Histórias extraordinárias. Círculo do Livro, 1975.

QUIROGA, Horácio. O travesseiro de penas. In: MANGUEL, Alberto. Contos de horror do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

3.5.08

BREVE NOTA A RESPEITO DE SATANÁS


Fonte: material extraído do site http://www.skepdic.com - autor desconhecido.


O mal personificado. Muitos seguidores da Biblia consideram Satanás um ser real, um espirito criado por Deus. Satanás e os espiritos que o seguiram rebelaram-se contra Deus. Foram expulsos do Céu pelo seu Criador. Teólogos podem perguntar-se porque é que o Todo Poderoso não aniquilou esses "anjos caídos", como fez com outras criações suas que falharam o caminho da rectidão (salvando Noé e a sua familia). Satanás foi autorizado a estabelecer o seu reino nos Infernos e a enviar demónios à terra para procurar convertidos. O mundo demoniaco parece ter sido permitido para um único fim: tentar afastar os humanos de Deus. Porque é que ele permitia isso a Satanás é explicado pelo Livro de Job. A história de Job é interpretada de diferentes modos pelos teólogos mas a minha leitura é que ninguem sabe porque Deus deixa Satanás viver e atormentar-nos. Deus é Deus e pode fazer o que quiser. Não temos de nos interrogar, fazer ou morrer.


Satanás, sendo um espirito, não é macho nem femea. Contudo, como o seu Criador, é geralmente referido como sendo um ser masculino. Muitos acreditam que Satanás, ou o Diabo como tambem é chamado, pode "possuir" humanos. Possessão é a invasão do corpo pelo diabo. A Igreja Católica ainda realiza exorcismos naqueles considerados como possuidos. Diz-se que Jesus espantou demónios, isto é, praticou exorcismos, e a Igreja considera que recebeu esse poder de Jesus. Ao longo dos séculos, muitas pessoas consideraram certas doenças mentais e físicas como provas de possessão.


Mais frequente que a possessão, contudo, foi a acusação de estar em consórcio com o diabo. Afirma-se que Satanás tem muitos poderes, entre os quais o de se manifestar com forma humana ou animal. A relação tem sido registada como puramente fisica e particularmente sexual. Na maior parte da história da Cristandade existem relatos de Satanás tendo sexo com humanos, quer como incubus (diabo macho) ou succubus (diabo femea). As bruxas e feiticeiros foram considerados frutos dessas uniões. São considerados especialmente perniciosos porque herdaram alguns dos poderes do diabo.


De acordo com Carl Sagan, relatos de relações sexuais diabólicas são fenómenos culturais comuns:


Paralelos aos incubi incluem os Arabes dhinn, os Gregos sátiros, os Hindus bhuts, os Samoenses hotua poro, os Celticos dusii....[Sagan, p. 124]


Contudo, como criança ensinado no catecismo, histórias de freiras violadas por incubi vestidos de padres não constavam dos livros. O Diabo estava aqui para nos tentar, pura e simplesmente. Não era para ter relações ou fazer experiências reprodutivas. Com certeza que a principal atracção era sexual. Ele gastava muito tempo usando raparigas para tentar os rapazes a terem pensamentos impuros. Invadia o nosso espirito durante a adolescência, plantando aí desejos de experiências sexuais demasiado pecaminosas para serem mencionadas, muito menos praticadas. Para ser honesto, penso que as raparigas foram ensinadas que os rapazes tentariam tudo para as levar até "ao fim". Mas não me espantaria que elas tenham sido ensinadas que são elas as tentadoras e que são elas que teem de se afastar dos rapazes com os seus encantos de femeas. De qualquer modo eramos ensinados a rezar constantemente, implorando a intercessão dos santos e da Mãe de Deus, que nos dariam protecção contra as investidas de Satanás. Ocorreu a muitos observadores que o medo de Satanás se parece muito com o medo da nossa própria sexualidade.
Apesar de toda a instrucção que nos deram sobre o Mal, não me lembro de ter ouvido falar do Papa Inocêncio VIII e o inicio da Inquisição e sequente perseguição de bruxas e heréticos. O Papa proclamou numa bula que os "anjos maus" estavam a ter sexo com muitos humanos, homens e mulheres. Não era o primeiro a fazer tal afirmação. Outros, como São Tomás de Aquino tinham explorado o mesmo campo em pormenor. Ele lembra-nos que uma vez que o Diabo não é humano, não pode produzir semente humana. Portanto, tem de se transformar em mulher, seduzir um homem, guardar a sua semente, transformar-se em homem, seduzir uma mulher e transferir a semente. Algo do diabo é capturado pela semente pelo caminho, pelo que o fruto dessa união não é normal. Aparentemente levou muito tempo até Satanás perceber que se queria controlar o mundo, a melhor maneira era copular com humanos. Invadir os nossos corpos seria mais eficiente que invadir as nossas mentes. Mas o Papa e outros homens piedosos engendraram um plano para exterminar a semente diabólica: torturar e queimar todos eles! Lutariam o fogo com o fogo! O Diabo não levaria a melhor. De facto, o comportamento sádico e monstruoso dos santos inquisidores quase leva um céptico a acreditar em Satanás. Não lhe falatava nada de diabólico.


Um dos mais interessantes aspectos da satanologia é o tema de humanos fazendo pactos com o diabo. A lenda de Fausto é o caso mais conhecido: em troca da alma, Satanás dá saúde, poder, tudo, durante um tempo específico. Na maioria das versões Fausto engana o Diabo e evita o pagamento. No original, o Diabo mutila e mata Fausto no fim do contrato. O cérebro são espalhados pelas paredes, os olhos e dentes jazem no chão e o corpo numa masmorra.[Smith, p. 269]


Hoje em dia ainda há os que acreditam que Satanás é um ser real, mas não ouvimos muitas histórias de incubi e succubi. O mais parecido que temos são histórias de raptos por extraterrestres. Felizmente, para os raptados com histórias de experiências sexuais--o diabo sendo substituido por ETs do espaço--não há Igreja para perseguir, torturar ou exterminá-los. Pelo contrário, há um mercado florescente dessas histórias e os orgãos de comunicação prontos a publicá-las. Infelizmente, um resto dos inquisidores continua entre nós. A unica coisa que parecem ter em comum, para lá de gostarem de torturar e matar os outros, é o amor pelos uniformes: militares, policiais, judiciais ou clericais. Mas isto é uma fraca ligação pois muitos que gostam de uniformes não se envolvem em torturas ou assassínios. O uniforme para os inquisidores de todas as épocas parece pouco mais que camuflagem ou uma desculpa para apresentar ao mundo.


É interessante notar que a maioria dos assassinos e torturadores sentem necessidade de se apresentar como estando a fazer algo de bom quando cometem os seus horrores. O que conduz o terrorrismo ou as limpezas étnicas hoje em dia, é o mesmo que conduzia os pios inquisidores. O seu comportamento faz-nos pensar se afinal Satanás não existe mesmo, pelo menos nas almas destas boas pessoas lutando por nobres causas.


De uma perspectiva filosófica, a crença universal em demónios baseia-se na necessidade de uma explicação para uma enorme quantidade de mal fisico e moral que nos acompanha ao longo da história. Penso tambem que os demónios servem de desculpa para as nossas próprias acções e mitigam o nosso sentido de responsabilidade sobre o mal que fazemos. Psicologicamente, os demónios podem ser uma projecção de nós mesmos, a pior parte da nossa natureza ou a mais temida. De uma perspectiva literária, os demónios teem de existir. Se não, teríamos de os inventar. Parecem essenciais para as nossas histórias. Quase mais que a sua contrapartida boa.
Quando o poder da Igreja diminuiu, tambem o poder de Satanás. Não é por acaso que este teve o pico do seu poder na mesma altura em que a Igreja tinha o seu, durante o século 13. Durante a Idade Média, ao Diabo foi atribuida a construção da muralha de Adriano, que separa a Escócia da Inglaterra, a construção de circulos megalíticos, de pontes em que cobrava a alma da primeira pessoa que lá passasse, etc. Satanás podia realizar magias, mas devemos recordar que a religião católica é basicamente uma religião de magias, de sacramentos que nos protegem de Satanás e que transformam o pão e o vinho em Cristo, de milagres que contradizem a ordem natural, a promessa de juventude eterna e de poderes maravilhosos. A Ordem Satanica foi uma criação da Igreja, necessária para estabelecer o seu poder no mundo. Heréticos, bruxas e feiticeiros eram uma ameaça ao dominio do mundo pela Igreja. Tinham de ser erradicados. Enquanto os inimigos da Igreja cresciam e se tornavam mais poderosos, tambem o reino de terror cresceu e o poder da Igreja de estabeleceu mais firmemente.


Pelo século 18, na Europa, a queima de bruxas e feiticeiros tinha cessado. Hoje, a maior parte do mundo cristão considera primitivo e bárbaro que alguem seja perseguido ou morto por ser acusado de comungar com Satanás. Mesmo os que fazem mal em nome de Satanás são perseguidos pelo mal que fazem e não pela sua associação com o diabo.


Se o desenvolvimento da ciência moderna tem a ver com a queda da Igreja Católica da sua posição de influência na cultura ocidental, então a ciência deve ter crédito pelo exorcismo de Satanás da consciência ocidental. Claro que o Diabo não está morto mas uma vez que recebe os seus poderes de Deus, e como o poder de Deus diminui, tambem os de Satanás. Um dia, talvez, Deus e Satanás tornar-se-ão estranhos impotentes para a imaginação humana. Mas não contem com isso. Muitos teístas acreditam que os males actuais se devem à influência de Satanás e ao decréscimo da influência religiosa. E são muitos, como sabem. Se conseguem os seus objectivos ficaremos a rezar mais e a trabalhar contra as tentações do diabo. Outros, pensam que devemos temer mais destas pessoas piedosas do que do Diabo ou dos seus admiradores. Alguns chegam a pensar que os que defendem as rezas nas escolas são diabos disfarçados. Não penso isso, pois quando os filhos de Deus matam pessoas com bombas nas clinicas que praticam abortos, não necessitamos de Satanás. De facto, se Satanás e os seus parceiros voltassem à terra veriam que os melhores trabalhos para os diabos já estavam preenchidos.


Finalmente, existem os modernos satanistas que encontram poder na magia, e especialmente em qualquer coisa anti-Cristã.Obteem a sua inspiração nas grandes obras de imaginação em arte, literatura criados principalmente por cristãos nas suas guerras contra os seus inimigos, mas tambem por cultos pré-cristãos como o culto egípcio de Set, e ocultistas não- Cristãos como Aleister Crowley e Anton LaVey. Os satanistas de hoje foram acusados, por Cristãos, do assassínio ritual de crianças, mutilação e sacrificios de animais, enviando mensagens subliminares, causando a decadência da moral e da civilização tal como a conhecemos. Contudo, eles negam tal. As provas não são fortes de que os satanistas sejam piores ou mais poderosos do que os seus inimigos afirmam. Há mais provas da força e maldade dos piedosos. Vejam as caças recentes contra infantários e pais de crianças. As provas são fortes de que estes pios frequentemente e injustamente acusaram muitos de abuso por rituais satanicos de crianças. E foram ajudados nessa caça por devotados terapistas e pios policias e acusadores.

SILVIA DE MONRABETH

O mestre da literatura fantástica brasileira, Rogério Silvério de farias, retorna à Câmara dos Tormentos com um envolvente conto de fantasia que segue a linha literária dos grandes mestres do gênero. Boa leitura!





SILVIA DE MONRABETH



Conto de Rogério Silvério de Farias


As névoas encantadas dos sonhos levaram minha alma solitária por bosques sombrios, por sobre penedos de colinas sinistras, cobertas de musgos putrefatos e flores fétidas e mortas, além, muito além das Terras Lendárias, regiões que somente aos heróis, loucos e poetas é concedida pelos deuses primevos a entrada.


Minha alma solitária virou como que uma pluma levada pelos ventos oníricos, e naquela fria noite de inverno, no velho apartamento da cidadezinha do Sul, aos poucos ia ficando para trás todo tédio, monotonia e tristeza de um mundo onde, na vigília, eu vegetava entre sofrimentos, mediocridades, tristezas e ramerrões sem sentido ou lógica alguma.


Lá, nas Terras Lendárias, eu não era mais eu, mas sim o jovem guerreiro de cabelos loiros e encaracolados, Thorlantarac, cujos olhos era mais azuis que todos os céus de verão ou primavera da eternidade. E, nômade como o vento, Thorlantarac cavalgava e trotava livre por desertos e florestas misteriosas. E além de guerreiro e caçador de bruxos e demônios da noite que infestavam as Terras Lendárias, era poeta e cantava antiga baladas que falavam de amores perdidos.


Seu nome era respeitado em Ukrith, a cidade das opalas resplandescentes, em Sharnibar, a cidade das papoulas rubras, e Cintradismônia, a cidade dos bravos, reinos além das lúgubres montanhas de Sassandriminir, entre Tukrith e Berbeltrinía.


Thorlantarac, o guerreiro, empunhava como arma sua alabarda, cuja lâmina fora forjada nas chamas de sua terra natal, a sombria Elenkótria, situada nas regiões dos pântanos pútridos e fumegantes de Yurm Ahul Kondraath. Thorlantarac tornara-se uma lenda viva com sua alabarda de lâmina cintilante. Por muitas terras ele vagou, antes de encontrar a bela Silvia de Monrabeth, que a encantou com sua flauta mirífica. Silvia, não da raça dos guerreiros, mas da raça antiga das dríades e ninfas metamorfoseantes do bosque de árvores altas de Saartrinberg.


Por sete noites ele amou a bela Silvia de Monrabeth. Amou a música da flauta mágica de Silvia. Amou Monrabeth, a cidade em ruínas na clareira do bosque, maravilha ímpar e antiga das Terras Lendárias. E ele beijou a dríade de Monrabeth sob a lua antiga das Terras Lendárias. E ele a carregou em seu colo, nua, e depois galopou com ela sobre pradarias nas manhãs de primavera, no lombo de um unicórnio azul e manso.


Certa noite, quando Silvia de Monrabeth buscou entre as ruínas da cidade o cristal de Untropary, o deus do amor que concedia a seus devotos o prazer místico das almas gêmeas, uma víbora verde, saída das sombras dos destroços de um altar, picou-a no calcanhar, causando na bela Silvia a cegueira eterna e a loucura perpétua.


Quando Thorlantarac soube do ocorrido, chorou por vinte noites consecutivas, pois a amada agora era como um espectro vivo nas ruínas de Monrabeth, tocando com sua flauta uma outra música, a música triste da loucura e da escuridão do Inferno.


Desde então Thorlantarac foi desprezado por Silvia, que não o reconhecia mais, afundada na cegueira e loucura.


Quase enlouquecendo também, Thorlantarac foi embora numa tarde chuvosa. O céu chorava com Thorlantarac.


Thorlantarac foi embora antes de acordar e voltar a ser este que vos escreve estas linhas. Não sem antes beijar os lábios gélidos da amada, que completamente louca e cega, tornou-se um espectro vivo entre as ruínas grotescas de Monrabeth, a esquecida. Mais tarde, Silvia dos olhos verdes e da flauta louca morreria horrivelmente, afundada nas areias movediças dos pântanos adjacentes de Monrabeth, a cidade esquecida e em ruínas das feéricas Terras Lendárias, que só são acessíveis àqueles que dormem e sonham com mundos mágicos.


FIM

CONTO ESTRANHO

CONTO ESTRANHO



De Luciano Barreto



O homem falava em voz baixa, cansada.

— Deus do céu. Estou amofinado neste quarto não sei por quanto tempo. Acho que vou ficar maluco. Um cheiro horrível, fezes e urina misturadas a suor e mofo, exala dessa escuridão que estou. Já medi o cubículo. Sem intenção, mas já. Não caibo deitado nele. Ou inclino meu dorso ou levanto minhas pernas e coloco-as na parede. Ínfimo, o tamanho. Mas ainda estou vivo. Sei que posso sair dessa. Caso tenha sorte consigo sair dessa. A fome apossou-se de mim há algum tempo. Ando comendo o reboco da parede. Ele já está caindo mesmo. Então é só encostar a mão e pegar os pedaços do chão úmido. Não é lá dos piores. Tive um cachorro que comia os rebocos do canil. Contudo eu sempre lhe servia a ração no horário o qual podia. Para matar minha sede, urino na mão – de pouco a pouco – e bebo. Não consigo sequer falar direito. Quando me enfurnaram aqui – não lembro como aconteceu – eu já estava fraco demais para gritar.

— Ei. Está me ouvindo?

“Seria alucinação ou estou ouvindo uma voz?” – pensou o homem jogado dentro daquela escuridão.

— Oi. – ele falou fracamente.

— Você morreu de quê? – perguntou uma voz vigorosa.

— Morri? Estou quase morrendo. Mas ainda estou vivo.

— Deixe de ser palhaço, cara. Eu morri transando com uma prostituta. Tomei um comprimido que era um poderoso vaso-dilatador e meu coração não agüentou. Acho que minha esposa ficou decepcionada. Você está aqui há quanto tempo?

— Não sei.

— Eu peguei a pena de três vidas. Daqui para frente, por três vezes quando nascer já o farei morto. Fiquei sabendo que é horrível, mas pelo menos tenho comida e bebida aqui na minha cela. Que você fazia antes de morrer?

— Rapaz... não estou morto. Mas eu – antes de estar aqui – era vendedor. Vendia remédios. Nunca fiz mal a ninguém!

— Puxa... deve ter alguma coisa aí que você não está se lembrando. Porque... creio que a comida e a bebida irão demorar a chegar a você. Estou saboreando um guisado de frango. Tive informações sobre você.

— Meu Deus do céu... – gritou o homem. — Não fala isso cara. Eu preciso comer e beber algo urgente. Eu matei um homem uma vez... era o amante de minha mulher.

— Agora sim. – falou o outro lentamente. — Mas tenha calma. Relaxe. Tenho duas notícias para você. Uma boa e outra ruim. Qual você quer escutar primeiro?

— Manda a boa, primeiro.

— Você já morreu. Acredite em mim. Todos, que aqui estão, já morreram.

— Talvez seja verdade. E a ruim?

— Você vai ficar sofrendo de fome e sede por toda a eternidade. Para os que matam, a pena é essa. Sinto muito.
O homem – encerrado na masmorra - arregalou os olhos de horror, vincou os lábios ressequidos e berrou agitado, usando as últimas forças.

— Não. Não. Não. Seu mentiroso. Dê-me um frango assado e uma jarra de suco de laranja. Dê-me! Dê-me!

A CASA DAS ALMAS

A CASA DAS ALMAS

Por Luiz Poleto



- Para Leonardo Nunes Nunes, Paulo Soriano e Henry Evaristo.


Ninguém sabe ao certo quando ela foi construída, mas todos sabem que foi desativada sob estranhas circunstâncias até hoje não explicadas de forma convincente. Mas, independente disso, lá está ela, sozinha em meio ao campo, com apenas uma estreita estrada de terra, que no passado era o único caminho em meio ao ralo matagal que levava até o portão principal da Igreja de Tampadas.

Tampadas é o nome do pequeno vilarejo localizado no interior do país; uma pequena cidade que ainda não tem luz elétrica, e quase não tem população também – muitos foram embora após o fechamento da igreja; e os que ainda vivem por lá, não chegam perto da pequena igreja de ar sombrio e desolado.

Embora a população local evite a igreja, o aviso de não aproximação faz parte da tradição oral daquele povo, e os forasteiros que porventura passam por ali não tem conhecimento da história daquela igreja – muitos nem ao menos tomam conhecimento de que há uma igreja. Dizem que os que por ali se aventuraram nunca mais foram vistos.

Um dia, um desses viajantes chegou até o pequeno vilarejo caminhando. Carregava apenas uma mochila de viagem e uma máquina fotográfica pendurada no pescoço. Chegou até o único bar existente, bebeu um refrigerante com tamanha sede que parecia que não bebia nada há dias; quando terminou, puxou conversa com algumas pessoas que estavam por ali, fazendo perguntas sobre o vilarejo, modo de vida, e outras coisas sem muita relevância. Depois de ouvir as respostas, disse que estava de férias, e estava fazendo um passeio pelo Brasil, visitando apenas as pequenas cidades e os vilarejos do interior, tirando fotos e escrevendo um diário.Após duas ou três horas de conversa e muitas fotos, pagou a bebida e saiu. Quando estava na estrada de saída do vilarejo, viu uma estreita estrada de terra, já coberta pelo mato alto que crescia à sua volta e quase escondia sua entrada. Sem ninguém por perto, o estranho resolveu percorrer aquela estrada, curioso para saber aonde ela iria dar, já que as casas e o pequeno comércio do vilarejo encontravam-se concentrados na extremidade sul. Com muita dificuldade, caminhou por cerca de dez minutos, até sair em um campo aberto, cercado por algumas árvores que pareciam tão velhas quanto a própria humanidade. Algumas com troncos retorcidos, outras com troncos que pareciam terem sido queimados; mas todas as árvores tinham em comum o fato de não terem folhas.

Observando ao redor, pôde perceber, a alguns metros à frente da estrada, uma pilastra de pedra com quatro ou cinco metros de altura que servia de pedestal a um anjo de mármore que um dia fora branco, mas agora estava tomado pelo terra e pelas marcas da chuva e do tempo. Havia algo na expressão do anjo - que olhava para cima - que o deixou triste e com um sentimento angustiante de solidão. Chegou a pensar que o anjo começou a chorar quando olhou para ele.Alguns metros adiante viu uma igreja, com um aspecto sombrio e de abandono. Suas paredes, de pedra, já mostravam o quanto o tempo pode ser cruel; a entrada principal consistia-se de uma porta dupla de madeira pintada de azul, já descascada e bem deteriorada. Duas pequenas janelas pairavam como olhos atentos em cada lado da porta. Estendendo-se verticalmente acima do telhado havia uma torre, aonde se podia ver o grande sino de bronze totalmente imóvel, como se estivesse em seu repouso eterno. Chegando perto, percebeu que o portão principal estava fechado, e não parecia haver ninguém por perto. Ao forçar um pouco a porta, esta se abriu, dando passagem para o salão principal.

A única iluminação dentro da igreja era proveniente dos raios de sol que passavam pelas pequenas janelas – sem vidros – nas paredes laterais. Marcas de água que há muito correram por ali indicavam um problema no telhado, e tornavam as paredes um pouco melancólicas. Os bancos de madeira já estavam quase ou totalmente consumidos pelos cupins. Encantado com a beleza sinistra do lugar, o estranho tirou diversas fotos, e dirigiu-se ao que parecia ser a sacristia, no final de um dos corredores.

Quando o estranho passou pela porta, um ar de curiosidade e espanto tomou conta do seu outrora estado de empolgação. A sala, que devia ter por volta de quinze metros quadrados, tinha todas as quatro paredes do recinto cobertas por fotografias antigas, todas com um tom de sépia, emolduradas em belas molduras – todas feitas artesanalmente – e embora aparentassem estar ali há muito tempo, ainda mantinham um bom estado de conservação. Do chão ao teto, tudo estava coberto por fotografias. Todas as fotos eram de famílias, embora não houvesse qualquer texto que identificasse as fotos.

Por vários minutos o estranho ficou ali, olhando as fotos, apreciando aquele ar nostálgico, admirando aquela estranha tristeza implícita no rosto das pessoas – que, curiosamente, não sorriam nas fotos. Algumas fotos aparentavam ser da década de 20, outras de 30, mas certamente nenhuma delas era de depois da década de 40.

Depois de olhar rapidamente as várias fotografias, acabou parando em uma – que talvez tenha sido escolhida aleatoriamente, ou apenas tenha chamado a sua atenção por algum motivo qualquer. Na foto, uma família de nove pessoas posava de forma quase mecânica. Como que estudando a foto, o estranho ficou ali, por vários minutos, analisando cada detalhe da foto. Com os olhos cheios d’água e um sentimento de vazio, proferiu um palavrão ao mesmo tempo que saltava para trás, quando percebeu que uma das crianças da foto começou a chorar. Ele coçou os olhos, achando estar vendo coisas, e sacudiu a cabeça, mas percebeu que não só a criança chorava como as outras pessoas da família gritavam em extrema agonia, com a dor estampada em seus rostos; ao mesmo tempo, pareciam desesperadas para sair da foto.

Ainda atordoado pela visão que acabara de ter, olhou ao redor e percebeu que em todas as fotos a cena se repetia: todas as pessoas gritavam, choravam, e tentavam desesperadamente sair de suas pequenas prisões particulares. O som misturado de choro de crianças e adultos, com os gritos de agonia eram como uma faca que atravessava seu cérebro. Naquele momento, ajoelhou-se tapando o máximo que pôde os ouvidos e fechou os olhos. Em seu interior, parecia estar sofrendo como aquelas pessoas. Chorou, como se estivesse também preso em uma moldura feita artesanalmente.Algum tempo depois – ele não podia mensurar se foram minutos ou horas – levantou-se, mas ainda sentia o desespero das pessoas ao seu redor. Eram pessoas, não eram? Ou eram apenas suas almas aprisionadas para toda a eternidade em uma foto – ou o que parecia ser uma foto?

Não suportando mais a agonia de estar confinado naquela pequena sala, correu, dirigindo-se à porta pela qual entrara, mas só teve tempo de virar-se para perceber que não havia qualquer porta ali; todas as quatro paredes estavam cobertas de fotografias, e não havia portas ou janelas por onde sair. Gritando, atirou-se desesperado contra as paredes, tentando, inutilmente, encontrar uma forma de sair daquele lugar. Com bruscos movimentos, arremessou as fotos para longe das paredes, mas, a cada porta-retrato que caía, um novo surgia em seu lugar, e mais e mais pessoas gritando, chorando, em uma grande sinfonia desafinada.

Sem qualquer esperança de sair daquele lugar misterioso, após muito gritar e chorar, percebeu que em uma das paredes havia uma moldura com uma foto em que não havia ninguém, apenas um quarto. Analisou aquele estranho objeto mais de perto, ao mesmo tempo que tentava entender o que se passava naquele lugar. Percebeu no quarto daquela foto alguma familiaridade, e, novamente, entrou em pânico: aquele quarto havia sido o seu quarto quando criança. A mesma cama, o mesmo tapete em forma de palhaço, a mesma janela próxima da cama. Naquele momento, o pânico foi tomado por uma saudade; saudade de tempos que nunca mais voltariam, e entendeu que o objetivo de qualquer fotografia era congelar um determinado momento no tempo; um momento que nunca mais será esquecido e ficará ali para sempre. Lembrou-se de quantos momentos desejara ter congelado no tempo.

Fechou os olhos, e a sacristia foi tomada por um imenso clarão, uma intensa luz vermelha. Quando apagou, o quarto havia voltado ao seu estado anterior, a porta encontrava-se no mesmo lugar que estava quando o estranho a cruzou. O estranho, não entanto, não estava mais ali; agora, ele fazia parte daquele imenso mural nostálgico, e naquele momento, ele estava de volta ao quarto que fora seu quando tinha 3 anos de idade. Passaria toda a eternidade preso àquele lugar, e talvez um dia implorasse para sair dali, da mesma forma que todas as outras pessoas que também faziam parte daquele lugar.

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