O escritor José Augusto de Oliveira, de Fortaleza, vem colaborar com a Câmara com um conto que nos remete aos melhores momentos da lieratura nacional, no entanto, sem contar com o marasmo no qual costumam estar construidas estas narrativas. Ao contrário, o autor constrói um texto ágil que possui muito de literatura universal. E o que é melhor: Assusta mesmo o leitor! Boa leitura!
CONVERSA EM NOITE DE LUA CHEIA
José Augusto de Oliveira
José Augusto de Oliveira
- Eu morava com meus dois fi... Num tinha marido. Era muié da vida. Naquele dia, num tinha nada em casa pra botá no fogo... Então aresolvi ir pra bêra do mar, esperá os pescadô. Pegá os resto de isca com eles...
Maria era uma negra velha, de ancas salientes, que ainda guardava no rosto, embora sofrido, marcas de uma beleza selvagem, africana. Neta de escravos, dentes alvos, brilhantes, tinha caído na vida, se prostituído por necessidade. Hoje, com os dois filhos já casados, mantinha-se como doméstica, na casa dos meus pais.
Naquela noite de sexta-feira, rodeada pela gente, eu e mais três irmãos, nos contava uma de suas reminiscências...
- Eu peguei uma bolsa de paia, botei debaxo do braço e mais ou meno às duas hora da tarde, me larguei pra praia. Era distante, um areial danado. Ao passar pela bodega do Juvená, ele me alertou:
- Nega véia, vai pra onde?
- Eu dixe, vou pra praia, pegá uns resto de isca...
- Tá sabeno que hoje é sexta-feira, noite de lua cheia?
Eu sabia sim, e arespondi pra ele:
- Juvená, eu tenho o corpo fechado, nada me faz má, e segui viagem.
- Cheguei no mar, era quase 5 horas da tarde. Deu 6, 7 horas e nada das jangada incostá... Quano viero incostá já era quase 8 horas, e a lua cheia já istava na metade do céu...
- Eu dixe comigo, é hoje...
- Fui nas jangada, catei as isca, inchi a bolsa, botei no ombro e marchei em rumo de casa...
Eu tinha 14 anos, era o mais velho dos meus irmãos. Já meio assustado, perguntei a Maria:
- Maria, por que você não dormiu na praia?
Ela deu um muchocho e respondeu rindo:
- Menino, e os meu fi? Eles istavam sem comê... Eu tinha que vortá pra casa... Eles istavam esperano por mim...
- Como eu tava dizeno, recomeçou ela, meti o pé na estrada, com passo apressado. Berei a bêra da praia por um bom tempo e adispois quebrei por dentro de um coqueiral, cortano caminho. Quando cheguei no fim do coqueiral, tinha uma faixa de areia branca, sorta, até chegá num pé de manguêra copado.... Mudei a bolsa de ombro e avancei no areial, quano de repente eu ouvi um som esquisito, como gente chorano, aquele choro preso... Cadê a coragem de olhar pra trás? Apressei o passo e o choro continuano, parecia qui tava na mesma distância de eu... Comecei a rezar o crendeus-pai de trás pra frente e apressei mais o passo. Eu já num tinha mais dúvida, era um lubisome... Quando fui chegano perto da manguêra, infiei meu braço nas azêias da bolsa, botei ela debaxo do suvaco e subi na manguêra... Só deu tempo de eu alcançá uma das forquia dá manguêra... O bicho riscou, dando um urro de cachorro doido. Oiei pra baxo, duas tochas de fogo asubia e adescia na minha direção. Era o bicho pulano, quereno me arcançá... Comecei a rezá pra São Supriano, amarrano o bicho, dano uma ruma de nó na ponta da minha saia... E o bicho danado, iscavacano e pulano ao redor da manguêra. Comecei a jogá isca de pêxe pra ele. No começo ele assossegou, comeu algumas, mas depois vortô a mi querê. Ele quiria me comê... A lua cheia, quano iscapava das nuvens, alumiava o bicho... Era grande, peludo, negro, e ficava em pé qui nem ome... Ele num asubia na manguêra pruque tinha os pé de bode... Eu já tinha jogado metade da bolsa de isca pra ele, quano o galo cantô. O lubisome parou de repente de choramingá e de iscavacar. Oiei pra baixo... Os óio de fogo dele istavam oiano pra mim. Ele foi se afastano, andano de costa, sempre oiano pra eu. Adispois se virou e saiu correno e sumiu-se no coqueiral...
Só desci da manguêra quano raiou o sol. Eu inda istava a uma meia légua de distança de casa...
Nunca mais fui pegar isca de pêxe na praia em noite de sexta-feira.
Um silêncio pesado se fez no meio da gente. Sentados no alpendre da casa, todos juntinhos um do outro, o caçula, de 10 anos, perguntou:
- Maria, o pé de mangueira que você estava trepada era igual a esse aqui?
- Era, mas só que maior, respondeu ela se levantando...
Um vento frio varreu a gente. Entramos todos em casa, agarrados na saia da Maria. Fomos deitar no quarto com o papai e a mamãe. Ninguém dormiu naquela noite.
(Lobisomem também conhecido como Lobishomem, Licantropo, Quibungo, Capelobo, Kumacanga (Pará), Curacanga (Maranhão), Hatu Runa (Equador), El Chupasangre (Colômbia). Mito universal. Em Roma antiga era mencionado pelo historiador Plínio. Além de lobo na Europa, ele pode se transformar em jumento, bode ou cabrito montês. Diz a lenda que quando um mulher tem 7 filhas e o oitavo filho é homem, esse menino será lobisomem. Também o será o filho da mulher amancebada com um padre. Quando o menino completa 13 anos, a maldição começa. Fonte: sitededicas.uol.com.br )