Mais uma vez a Câmara tem a honra de apresentar uma colaboração do amigo e auteur extraordinaire português Alexandre Cthulhu. Um conto de terror sobrenatural denso e assustador! Boa leitura!
UM PREGO NO JAZIGO
Autor: Alexandre Cthulhu
Introdução:
Alguns de vocês já conhecem os meus contos, e sabem que o escrevo são apenas histórias de ficção, inspirados (ou não) em temas da vida real. Mas o que vos vou narrar a seguir não é ficção. É real, e foi um dos episódios mais macabros que assombrou a minha juventude.
Por isso, deixo-vos aqui um conselho sério: NUNCA BRINQUEM COM AQUELES QUE DESCANSAM EM PAZ; NUNCA APELEM AOS ESPIRITOS DAS TREVAS!
______________________________________________________
O sopro do Altíssimo vento teimava em enxotar tudo à sua frente, fustigando as ruas sob a noite chuvosa que se ensombrara. As casas pareciam assustadas na sua viuvez urbana, e eu deambulava pela rua acompanhado de mais dois amigos, o João e o Manuel.
Tínhamos andando a curtir pela noite fora e andávamos eufóricos. Tínhamos bebido uns copos e tínhamos conhecido umas gajas com quem tínhamos fodido. Sob uma grande ressaca, vagueávamos pela rua. Trazíamos connosco uma garrafa de Whisky que íamos tragando, passando-a de mão em mão. Riamos e galhofávamos pela estrada fora, sem caminho e sem rumo.
- Vamos até minha casa – Sugeriu o João com dificuldade. A língua enrolava-se-lhe na boca quando tentava dizer qualquer coisa.
- Boa ideia – respondi - Estou farto de andar aqui às voltas pela rua.
Do local onde estávamos, até à casa dele demorámos apenas alguns minutos.
Ele vivia num anexo nas traseiras da casa dos pais. Tinha portanto, total independência para fazer o que quisesse.
Lá dentro sentamo-nos no maple e continuámos a beber whisky e cerveja que ele trouxera do frigorífico, bem fresquinha.
Inesperadamente, apercebi-me que o João fazia um charro. O anel de ouro branco cintilava-lhe nos dedos esguios, enquanto segurava a mortalha. Depois acendeu o cigarro, deu duas “passas” e ofereceu o charro ao Manuel. O ambiente começava a tornar-se num marasmo de demência e loucura total.
- Vamos jogar poker – sugeriu o Manuel.
- Boa ideia – concordei.
- Não – Interveio o dono da casa, discordando – vamos fazer um jogo diferente.
- O quê? – Perguntei curioso.
- Vamo-nos divertir com o jogo dos espíritos – ordenou ele, sob um sorriso tétrico.
- Jogo dos espíritos? – Questionou o Manuel.
- Não gosto disso. Já ouvi contar umas merdas acerca desse jogo de bruxas…
- Deixem-se de mariquices. – Asseverou ele, cortando-me a frase. Trazia o tabuleiro numa mão e uma garrafa de vodka noutra. O álcool abundava em sua casa como se a sua sobrevivência dependesse disso.
- Que raio? – Indaguei.
- É o tabuleiro de Ouija. É usado em adivinhação e espiritualismo. As letras do alfabeto e estas (”sim”, “não”, “adeus” e “talvez”) – disse ele, exibindo-nos o tabuleiro - servem para formarmos uma frase que será construída depois de rodarmos um ponteiro sobre o tabuleiro. É o jogo dos espíritos. Alguém tem medo?
Nem eu nem o Manuel respondemos. E foi em mergulhados neste silêncio que concordámos em jogar com ele. A personalidade persuasiva do João convencia-nos a fazer tudo o que ele queria. Sempre foi assim e assim voltara a ser naquela noite.
Começámos por unir os dedos sobre o ponteiro e o João lançou a primeira pergunta.
-Algum de nós vai morrer?
Largamos o ponteiro e este, após rodar várias vezes, ficou parado no lado superior esquerdo, mesmo a apontar para a palavra “sim”.
Rimo-nos.
De seguida voltamos a pressionar o ponteiro, e foi a minha vez de fazer a pergunta.
- Quando?
O ponteiro girou e girou, até que faleceu nas letras “H”, depois na “O”, seguidamente na “J”, e por fim no “E”.
- Hoje? – Questionámos nós em uníssono.
-Este jogo é uma merda! – Asseverei.
Foi a vez de o Manuel fazer a pergunta.
- Como vai essa pessoa morrer? – Questionou ainda a rir.
O Ponteiro voltou a rodopiar e apontou as letras “J” “A”Z” “I” “G” “O” “ e de seguida “P” “R”E” “G” O”.
Ficámos a olhar uns para os outros. Confesso que não me senti bem e acabei por disparar:
- Vamos acabar com esta palhaçada. - Levantei-me e dirigi-me para a porta. Apercebi-me que o Manuel também se tinha levantado, dando mostras de desistir daquela brincadeira sinistra.
O João, meio cambaleante, abandonou o tabuleiro e dirigiu-se até nós para nos expulsar de sua casa, mas acabou por desistir da ideia a meio de percurso, acabando por sair connosco. Num gesto inconsciente, olhei para trás e reparei que o tabuleiro ficara destapado e abandonado sobre a mesa, mas acabei por não dar grande importância à situação, pois queria era sair dali para fora.
Regressamos para a rua, onde recebemos o vento frio na cara. Voltámos a caminhar pela noite, conversando sobre aquele jogo lúgubre que me tinha perturbado, e confesso, me tinha transmitido algum medo, também. O Manuel também não estava bem, isso percebi, pela forma trémula como tentava acender o cigarro.
Regressamos para a rua, onde recebemos o vento frio na cara. Voltámos a caminhar pela noite, conversando sobre aquele jogo lúgubre que me tinha perturbado, e confesso, me tinha transmitido algum medo, também. O Manuel também não estava bem, isso percebi, pela forma trémula como tentava acender o cigarro.
Aparentemente o João estava bem. Além de bêbado, estava bem.
A neblina húmida adensara-se e caiu sobre as ruas deserta que teimávamos em percorrer. Inesperadamente demos de caras com um muro alto que se ergueu sobre as nossas cabeças. Era o muro do cemitério, cujos portões de aço maciço se elevaram ameaçadoramente sobre as nossas cabeças.
-Este local é sinistro. – Balbuciou o Manuel meio encolhido.
- Sim, mas afinal… onde estamos?...Que local é este? – Inquiri eu, meio confuso.
- É, pá! Estou rodeado de mariconços! – Escarneceu o João, exibindo o seu ar destemido.
- Mariconços, não! Isto mete medo! – Contestei.
- Mas qual é o vosso problema? Não percebem que estamos no cemitério da nossa aldeia; a única diferença é que está nevoeiro e ele parece diferente! – Afiançou o João, que saltou para cima do muro, onde se sentou a fumar. O anel cintilava-lhe no dedo anelar. Ele trajava uma extensa capa de chuva que lhe abonava um ar medonho e aterrador.
Confesso que aquele modo arrogante do João me importunou tanto que tive vontade de lhe arremessar com uma pedrada à cabeça. Todavia, o meu ímpeto fora travado por uma ideia mordaz, que decidi partilhar com o Manuel.
-Vamos “picá-lo” para ele ir lá dentro ao cemitério, e quando ele lá estiver dentro, fugimos e deixamo-lo aí sozinho. O que achas? – Sussurrei eu ao ouvido do Manuel.
-Boa ideia, e como o vais convencer a ir lá dentro?...
– Inquiriu o meu amigo, coçando o queixo.
-Deixa isso comigo. Tens aí uma nota de cinquenta euros? – Perscrutei.
-Sim, tenho aqui! – Disse o Manuel, entregando-me o dinheiro sem qualquer hesitação.
Apercebi-me que o João continuava em cima do muro do cemitério, mas agora prostrava-se deitado de papo para o ar, a fumar outra ganza.
Dirigi-me então até junto do João, e foi com algum assombro que lhe dirigi o repto.
- Olha João, eu e o Manuel apostámos cem euros em como tu não és capaz de ir lá dento ao cemitério espetar um prego no jazigo que estiver mais a “norte”...
- Ah, estão a ver se me conseguem acagaçar por causa daquela parvoíce do jogo dos espíritos?... Vocês apostaram, o quê?..Cem euros?..ah, já são meus! – Balbuciou ele, com uma voz tremendamente glacial.
- Está aqui um prego. – Declarou o Manuel, retirando o espeto de aço do bolso, que encontrara... não sei bem onde, nem como. – Podes pregá-lo com esta pedra.
E foi com enorme frieza, que o João deitou a ganza fora e saltou o muro para outro lado, numa demonstração clara de extrema ousadia.
- Os cem euros já são meus! – Ecoou a voz dele do meio das campas.
A noite turvara-se ainda mais numa bruma intensa, e inesperadamente levantou-se uma forte ventania que arremessou as folhas dos ciprestes pela estrada adiante. Quando eu e o Manuel nos preparávamos para fugir daquele local perverso, escutámos os baques secos provenientes das batidas no túmulo dos punhos do João, que intervalava as pancadas com um sorriso sinistro e sombrio. Seguidamente, o ruído cessara e dera lugar a um silêncio lúgubre e inquietante. Instalara-se um sossego fúnebre, mas que foi macabramente rachado por um grito pavoroso e agudo, proveniente da garganta do João, que gelou as nossas almas de pavor e medo!
Prontamente, eu e o Manuel voltámos para trás e trepámos o muro para ir ao encontro do nosso camarada, a fim de percebermos o que lhe tinha acontecido. Ao fim de alguns metros, encontrámos o corpo do João caído junto ao túmulo. Notei que o corpo se prostrava numa posição torta e estranha. A sua mão ainda segurava a pedra com que tivera a pregar o túmulo. O anel ainda cintilava.
- João, João! – Bradou o Manuel, tentando deslocar o seu corpo para o endireitar.
E foi com um terror arrepiante que verificámos que o João pregara a capa de chuva ao túmulo sem dar conta disso, e ao virar bruscamente as costas, a sua capa ficara “presa ”, o que o levou a ficar apavorado e a morrer de MEDO!
FIM
FIM