A escritora paranaense, e musa das sombras, Celly Borges, volta à Câmara com mais um conto fantástico. Boa leitura!
CHARLES DICKENS, O GATO PRETO
Celly Borges
Celly Borges
Katherine resolver deitar um pouco, afinal, estava exausta de limpar a casa a manhã toda. Chamou seu gato preto, Charles Dickens, para descansar com ela.
Dormiram parte da tarde. Quando Katherine despertou, ao seu lado Charles Dickens tomava banho, olhou para a dona com certa tristeza.
– Está com fome, não é, Charlie? – Ela afagou as orelhas do bicho. – Vou conseguir comida para você.
Katherine levantou cambaleando de preguiça – detestava dormir pela tarde, sempre acordava pior do que quando fora dormir. Saiu do apartamento e seguiu para a rua a procura de uma vítima.
Ela não tinha nenhuma preferência, mas o almoço não era para ela, e Charles Dickens sim, era exigente.
Andou até a livraria, a alguns quarteirões do seu prédio. Em frente à vitrine, parado, estava um rapaz, muito bonito por sinal.
Ela parou ao lado dele e se mostrou interessada em um livro em exposição.
– Queria muito ler este – e apontou para o volume. – Mas é caro demais!
– Um absurdo, realmente! – Ele falou bastante entusiasmado. Pronto. Ele tinha caído.
Ela abriu um lindo sorriso que ele retribuiu.
– Sou Katherine Brooks – lhe estendeu a mão.
– Sou Taylor Adams – e retribuiu o cumprimento com um sorriso.
– Estou procurando alguém forte que possa ajudar a levar minha pobre e velha mãe ao hospital.
– Bem, se você quiser, posso ajudá-la.
– Só se não for incomodá-lo.
– Claro que não!
– Vamos então, por aqui.
Os dois seguiram ao apartamento conversando sobre livros. Mas Taylor pensava na beleza da nova amiga. E talvez depois de levar a mãe dela ao hospital, ele poderia convidá-la para sair.
– Chegamos. Entre, vou buscar minha mãe – ela usou um tom de voz bastante suave.
Taylor foi até a sala, começou a olhar as fotos dispostas nas paredes. Bizarro, pensou. Eram imagens do chão, cama, e vários outros lugares sem pessoa alguma.
“Cada um com sua mania”, pensou talvez mesmo em voz alta.
Como Katherine estava demorando, ele resolveu conhecer o lugar. Olhou em volta. “Que sala mais bagunçada e suja”. Sentiu uma ponta de arrependimento de ter entrado ali. Mas antes que pudesse pensar em sair, já era muito tarde. Alguma coisa o atingiu em cheio na cabeça e tudo escureceu.
– Charlie, sua comida chegou, agora é só corta-la – ela sorriu e seus olhos transmitiam insanidade.
Com horrorosa precisão ela cortou a carne, separou uma parte para o gato e outra para guardar em potes no freezer.
– Charlie, coma meu pequeno bebê – ela acariciou as orelhas dele. – Enquanto isso vou me livrar dos ossos.
Ela deixou um pires com a carne para Charles Dickens e levou os restos para a lixeira em frente ao prédio.
Por vários dias Charles Dickens teria sua ração.
Algum tempo depois Katherine acordou com fortes batidas na porta.
– Já vou. Já vou – gritou calçando a encardida pantufa, com paciência absurda vestiu o roupão e seguiu para a porta.
– Pois não? – perguntou com voz suave.
– Senhora, somos da polícia...
– Oh, aconteceu alguma coisa?
– Ainda não sabemos. Mas alguns vizinhos seus disseram sentir um cheiro muito forte vindo do seu apartamento. E pelo jeito eles têm razão.
Katherine continuava olhando como se nada estivesse acontecendo.
– Teremos de inspecionar seu apartamento.
– Claro, sem problemas – ela deu passagem a eles.
Os policiais entraram e o cheiro realmente estava insuportável. Eles tentaram se proteger colocando as mãos no nariz. Um policial foi direto à cozinha, abriu o freezer e ficou horrorizado com o que viu.
O outro policial, no quarto, não conseguiu agüentar e vomitou ao lado da pilha de carne humana apodrecida sobre um pires.
Enquanto isso, Katherine se sentou no sofá e acariciou Charles Dickens, enrolado do seu lado direito.
O policial que estava próximo ao freezer pegou o celular e discou um número, olhando de quando em quando para Katherine.
–... Imediatamente! – Foi a única palavra que ela conseguiu ouvir.
Alguns minutos mais tarde uma ambulância estacionou em frente ao prédio. Os enfermeiros entraram e levaram Katherine para o hospício, sem que ela contestasse.
– Katherine – começou o psiquiatra –, entenda, você tem uma terrível alergia a pelos de animais, você não pode e nem nunca teve um gato.
Ela foi mandada de volta ao quarto.
Katherine estava deitada na cama acariciando Charles Dickens, o gato preto.
– Você está com fome, não é meu bebê?
Em seguida um enfermeiro entrou. Mas não saiu.
Um comentário:
Henry, obrigada pela publicação de meu conto. E parabéns pela CT. ^.^
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