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13.5.07

APARIÇÕES

Mais uma vez a Câmara homenageia um grande mestre imortal da literatura sombria. Pela primeira vez em nossas páginas, Ambrose Bierce, o grande escritor de horror norte-americano que, à época da revolução mexicana, por volta de 1914, desapareceu no deserto na região de fronteira e nunca mais foi visto. Aqui fugimos do óbvio em sua obra e publicamos um de seus contos menos populares. Boa leitura!




APARIÇÕES

Ambrose Bierce



Ao sul do ponto em que a estrada entre Leesville e Hardy, no estado do Missouri, corta a bifurcação leste do rio May, existe uma casa abandonada. Ninguém vive lá desde o verão de 1879 e ela está caindo aos pedaços. Por cerca de três anos antes da data que acabo de mencionar, a casa foi ocupada pela família de Charles May, cujos ancestrais tinham dado nome ao rio que passa ali perto. A família do Sr. May consistia em sua mulher, um filho adulto e duas moças. O nome do filho era John — os nomes das filhas, o redator destas linhas desconhece.


John May era rude, soturno e, embora não explodisse facilmente, era dono de um temperamento tão rancoroso e mal-humorado que raramente se vê. Seu pai era o inverso. Sendo de temperamento solar e jovial, tinha pavio curto, sujeito a explosões momentâneas, que logo eram esquecidas. Não guardava ressentimentos e, assim que a raiva passava, em pouco tempo estava disposto às reconciliações. Tinha um irmão que vivia nas redondezas e que dele diferia em tudo. Os vizinhos comentavam, maldosos, que John herdara o temperamento do tio.


Certo dia houve um desentendimento entre pai e filho, palavras duras foram ditas e o pai acabou dando um soco no rosto do rapaz. Calmamente, John limpou o sangue do rosto e, com os olhos fixos em seu agressor, esteja arrependido, disse com toda a frieza: "O senhor vai morrer por causa disso.”


Suas palavras foram ouvidas por dois irmãos, de sobrenome Jackson, que estavam por perto no momento da briga. Mas, vendo que pai e filho estavam discutindo, eles se afastaram, aparentemente sem ser vistos. Charles May depois relatou o acontecido à mulher, explicando que havia pedido perdão ao filho pelo soco, mas em vão. O jovem não apenas rejeitara suas desculpas como também se recusara a retirar a ameaça. Apesar disso, não houve um rompimento explícito nas relações familiares: John continuou vivendo com os pais e a vida seguiu seu curso.


Numa manhã ensolarada de junho, em 1879, cerca de duas semanas depois da briga, May, o pai, saiu de casa depois de tomar café, levando consigo uma pá. Disse que ia cavar junto a uma fonte, num bosque a pouco mais de um quilômetro da casa, a fim de que o gado tivesse água para beber. John ficou em casa por algumas horas, onde se barbeou, escreveu cartas e leu o jornal. Agia da forma costumeira. Ou, talvez, mostrando-se um pouco mais taciturno e ríspido.


Às duas da tarde ele saiu de casa. Às cinco, voltou. Por algum motivo sem qualquer ligação com o interesse em seus movimentos, e do qual não me lembro, tanto a mãe como as irmãs notaram a hora em que ele saiu e a hora em que voltou, como seria dito mais tarde durante seu julgamento por assassinato. Notaram também que a roupa dele estava molhada em alguns pontos, como se (destacaria mais tarde a promotoria) ele tivesse lavado manchas de sangue. Sua maneira de agir era estranha e sua aparência, de desvario. Disse que se sentia mal e foi para o quarto se deitar.


May, o pai, nunca voltou. Mais tarde, naquela mesma noite, os vizinhos mais próximos foram chamados e durante toda a madrugada e todo o dia seguinte empreenderam buscas na floresta onde ficava a fonte. Nada encontraram, exceto as pegadas dos dois homens no barro em torno da nascente. Enquanto isso, John May piorava cada vez mais, com os sintomas de uma doença que o médico local chamou de febre cerebral. E em seus delírios falava de assassinato, embora não explicasse quem teria sido assassinado, nem quem imaginava ser o culpado. Mas a ameaça que fizera foi lembrada pelos irmãos Jackson e, como suspeito, ele foi preso, ficando em prisão domiciliar sob a custódia de um subxerife. A opinião pública estava contra ele e, se não estivesse doente, provavelmente teria sido enforcado pela turba. E, assim, os vizinhos se reuniram na terça-feira, tendo sido criado um comitê para acompanhar o caso e tomar todas as providências que se fizessem necessárias.


Na quarta, tudo mudou. Da cidadezinha de Nolan, a mais de doze quilômetros de distância, chegaram notícias que deram nova luz ao caso. Nolan era composta de uma escola, uma ferraria, um armazém e meia dúzia de casas. O armazém era de um tal Henry Odell, primo de Charles May. Na tarde do domingo em que May havia desaparecido, o Sr. Odell e quatro de seus vizinhos, todos homens de credibilidade, estavam sentados diante do armazém fumando e conversando. Fazia calor. E tanto a porta da frente quanto a de trás estavam abertas. Lá pelas três da tarde, Charles May, que era conhecido de três dos cinco homens, entrou pela porta da frente e saiu pela de trás. Não usava chapéu ou casaco. Não olhou para os homens, nem respondeu aos cumprimentos, gesto que não causou espanto, uma vez que ele estava seriamente ferido. Tinha um ferimento acima da sobrancelha esquerda — um corte profundo, de onde o sangue vertia, cobrindo todo o lado esquerdo do rosto e do pescoço e empapando a camisa cinza clara, Estranhamente, a conclusão da maioria dos homens foi a de que ele se metera em alguma briga e que se dirigia direto para o riacho nos fundos do armazém, para se lavar.


Talvez tenham ficado constrangidos — movidos por um código rural que os impediu de segui-lo e oferecer ajuda. Os autos, dos quais esta narrativa foi em grande parte extraída, restringem-se aos fatos. Eles esperaram que ele retornasse, mas ele não retornou.


Em volta do riacho que passa nos fundos do armazém há uma floresta, que se estende por quase dez quilômetros até as colinas de Medicine Lodge. Assim que chegou à vizinhança do homem desaparecido a notícia de que ele havia sido visto em Nolan, houve uma mudança imediata nos sentimentos da população. O comitê de vigilância foi dissolvido sem sequer a formalidade de uma resolução. As buscas nas profundezas da floresta junto ao rio May foram suspensas e quase todos os homens da região se puseram a vasculhar os arredores de Nolan e as colinas de Medicine Lodge. Mas do homem desaparecido não se achou traço.


Uma das coisas mais estranhas desse estranho caso é o indiciamento formal e o julgamento de um homem sob a acusação de assassinato de outro homem, cujo corpo jamais foi visto por quem quer que fosse — de um homem, inclusive, que não se sabia ao certo se estava morto. Todos nós já ouvimos falar dos caprichos e excentricidades das leis da fronteira, mas esse caso, acredita-se, é único. Seja como for, consta dos autos que, assim que se recuperou, John May foi acusado pelo assassinato do pai desaparecido. O Conselho de defesa parece que não perdeu tempo e o caso foi julgado por seus méritos. A promotoria foi tíbia e negligente. E a defesa rapidamente estabeleceu — levando em conta a vítima — um álibi. Se no momento em que John May matou Charles May, na suposição de que o tivesse matado, Charles May estava a quilômetros de distância de onde John May devia estar, está claro que a vítima só poderia ter morrido pelas mãos de outra pessoa.


John May foi absolvido e deixou a região, sem que, desde então, jamais alguém ouvisse falar dele. Pouco depois, sua mãe e suas irmãs mudaram-se para St. Louis. A fazenda passou para as mãos de um homem que possuía o terreno adjacente, onde tinha seu próprio rancho, e a casa dos May ficou abandonada, tendo adquirido a sombria fama de mal-assombrada.


Certo dia, depois que a família May já havia deixado a região, uns garotos, que brincavam no bosque junto ao rio May, encontraram encoberta sob um monte de folhas mortas, mas parcialmente desenterrada pelos porcos, uma pá, quase nova e ainda brilhante, exceto por um ponto num dos cantos em que estava enferrujada e manchada de sangue. A ferramenta tinha as iniciais C. M. marcadas no cabo.


A descoberta renovou, até certo ponto, a excitação popular dos meses anteriores. O terreno perto do local onde a pá tinha sido encontrada foi cuidadosamente escavado e o resultado foi que se encontrou o corpo de um homem. Havia sido enterrado a uma profundidade de menos de um metro e o local fora coberto por uma camada de folhas mortas e gravetos. Quase não estava decomposto, fato atribuído a alguma propriedade preservativa do solo rico em minerais.


Acima da sobrancelha esquerda havia um ferimento — um corte profundo de onde o sangue vertera, cobrindo todo o lado esquerdo do rosto e do pescoço e empapando a camisa cinza clara. O crânio fora rachado com o golpe. O corpo era de Charles May.


Mas o que era aquilo que atravessou a loja do Sr. Odell em Nolan?

(Fonte de imagem: Wikipédia)





Um comentário:

seguidorlovecraft disse...

Eu tinha dúvida se Bierce estava sendo negligenciado aqui no país, mas percebí que o "pessoal" acabou dando uma colhar de chá para os fãs. Em "Classicos do Sobrenatural" (se não me foge à lembrança); "No Labirinto de Borges" e no "América - Contos norte-americanos". À confirmar detalhes...

Leonardo N. Nunes

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